
Capítulo 4
P6 “Cantora”
- O cantor foi bronco comigo, eu já te conto a cena! Voltando a esta história: os nossos dois cães adultos foram ao encontro deste gato pequenino. Tínhamos acabado de soltar os cães para se passearem pelos campos, correrem e brincarem...Após o seu passeio dirigiram-se em direção ao gatinho, a galope e com cara de maus. O gatinho: sempre a sacudir as patinhas, somente concentrado naquele aborrecimento extra que era ter as patinhas molhadas! Os cães: um de cada lado dele e com cara de maus! O gato permaneceu indiferente aos cães que entretanto puseram as orelhas na vertical, em sinal de espanto. Começaram a olhar muito fixamente para aquele sacudir de patas que nunca mais acabava: “Não nos tens medo?! És parvo ou quê? Não vês o nosso tamanho?! E já agora...que diabo estás a fazer às patas? Não sabes que as patas são para andar? Ó palerma, para de sacudir as patas e mostra que tens medo! Sê normal!” O gato muito enervado, dá um mio estridente curto e firma as quatro patas no chão: “Outro aborrecimento?!! Que dia o meu! Quem são estes dois palermas de cara grande quase colada à minha?! Olhai amigos! Não sei quem vós sois! Só quero avançar, miar, ver a minha mãe e os meus irmãos! Estou chateado o quanto baste e isso põe-me perigoso!”...
- Moral da história: o tamanho do nosso poder está na nossa mente e não no aspeto exterior! Voltando à cantora de dezasseis anos, ela tem feito dinheiro com as cantorias dela?...
- Apesar de ser uma banda desconhecida consegue faturar durante o mês de Agosto que é quando têm mais concertos, estando menos ativa nos outros meses do ano. A vida de artista não é fácil, segundo ela. Existe um esforço emocional extra para se mostrarem sempre bem dispostos junto ao público, independentemente de dores ou desgostos, há que agradar ao público…
- Isso é vida? Passar o tempo a ter que se agradar aos outros, quer se queira ou não?
- “O importante é ter saúde e não ter tempo para palermices!” –é o que diz a minha mãe. Eu precisava de ter um emprego que me ocupasse a cabeça 24 h por dia! Não queria ter tempo para pensar na minha vida…o que vou fazer com a minha vida? Virar cantora? Não sei cantar!
- Por falar na tua mãe, em tempos falaste-me vagamente sobre a tua infância e que os teus pais tinham tido uma vida difícil, correto?
- Ambos começaram a trabalhar cedo no campo. Com sete anos já ajudavam os respectivos pais. Eram tempos duros para toda a gente. A agricultura era de subsistência. Havia fome. As pessoas não comiam o que queriam nem o quanto queriam. Eram tempos míseros com famílias numerosas, muitas bocas para alimentar. O dinheiro, roupa, comida e conforto escasseavam. A produção agrícola era muitas vezes insuficiente, dando para consumo da casa com sorte e quando as intempéries retardavam ou impediam a produção agrícola, era uma miséria azarada acompanhada de fome. Os meus pais eram crianças quando a segunda-guerra mundial rebentou. A miséria abundava mas toda a gente se habituara a ela, a resistência psicológica era elevada. Por exemplo, o meu pai conta que o uso de calçado era raro entre os pobres, exceto ao domingo para ir à missa. Muitas crianças iam descalças para a escola e muitos adultos caminhavam descalços para o seu trabalho, mesmo se nevasse. A vida era para os fortes de corpo e alma... A minha mãe diz que as pessoas de hoje em dia vivem luxuosamente e não têm consciência de quão bem vivem, queixam-se da vida mas que não conhecem a verdadeira miséria. A minha mãe afirma que a vida antigamente era muito difícil, que quase toda a gente era pobre, que tornava-se difícil ajudarem-se uns aos outros –a todos restava o nada para dar. Era difícil esquecer a miséria triste, a miséria pobre, a miséria desgraçada, a miséria infeliz e a miséria sofredora. Refere que se um dia a miséria, que ela e muitos viveram, regressar as pessoas matam-se umas às outras em desespero pois a boa vida tornou as pessoas fracas de espírito. Sabes que o cantor tem três telemóveis? Tantos quantos os operadores móveis de redes telefónicas?
- Que mudança brusca de assunto! E queixas-te tu de mim! Porque te admiras com tanto telemóvel? Andar aos engates via telemóvel com as fans não é de graça! Há que pensar no tarifário! Ter um telemóvel da mesma operadora móvel que da fan faz a chamada telefónica ser mais barata! Tu continuas cismada com o gajo?!! Tu és incrível! Mas quem é que te disse que ele tem três telemóveis? Alguma fan?
- Não. No início deste novo milénio, numa conversa telefónica com ele, fiquei a saber umas coisas. Foi uma cena triste…meto-me em cada situação! Se eu fosse cantora quem sabe se não teríamos algo que nos unisse…a música, por exemplo.
- Querida: vai para cantora, escritora ou para onde aches que devas ir mas por favor, esquece esse fulano!…Ele não ajuda ninguém! A ele só lhe interessa ajudar-se a si mesmo! O mundo está cheio de egocêntricos e ele é apenas mais um! As figuras públicas, “particulares” ou outras figurinhas quaisquer, não são todas poderosas. Elas muitas vezes não conseguem ajudar. Não ajudam ou porque não sabem como, ou porque não querem, ou porque não têm tempo, ou porque não lhes interessa, ou porque têm problemas como todos nós e também andam aflitos em resolver os seus próprios problemas. A cabeça de todo o mundo está orientada em primeiro lugar para se ajudar a si próprio, a não ser que se seja altruísta! O mundo está cheio de saqueadores! Desinteressadamente, ninguém dá nada! Se há seres que ajudam sem esperar algo em troca, a esses seres chamam-se amigos! Esses valem ouro! O cantor sempre deu sinais de ser quem era e o que queria e tu sempre nessa coisa de lhe escrever…
- Se houvesse um psicólogo nesta história ele inserir-me-ia numa psicopatologia qualquer e rotular-me-ia…Os rótulos já indicam sintomas e avançam com explicações.
- A tua doença chama-se paixão ou paixoneta ou, seja lá o que for…isso torna-te cega, fraca e escritora.
- Eu quero deixá-lo em paz mas sinto-me triste quando penso que não vou escrever-lhe nunca mais…mas ao mesmo tempo também me enerva ter vontade de lhe escrever após a grosseria dele!...Sinto-me à mercê da minha tolice!
- Por aquilo que estou a ver nos teus textos passaste a assinar como Ninfa Flor?! Não me disseste que te irias chamar Ninfa Artemis?
- De início pensava que me iria chamar “Ninfa Flor” mas o “Flor” incomodava-me: sugere delicadeza, fragilidade....já o pseudónimo “Ninfa” sempre me agradou, é como tivesse sido sempre esse o meu nome!
- O que se passou exactamente? Como se deu o rompimento?
- Não sei porquê, deu-me para passar a assediá-lo com mensagens escritas para o seu telemóvel. A primeira dizia: “Depois da meia-noite beijos vampiros!” -isto foi a uma quinta-feira de madrugada em finais de novembro. Ele deixou-me uma mensagem resposta no voice mail ao início da noite, ainda nesse mesmo dia. Eu estava no duche, não ouvi o telemóvel chamar e atendeu o voice mail. Ele dizia o seguinte: “Sim...depois da meia-noite...bem depois da meia-noite...daqui a duas horas telefona-me. Estou no aeroporto de Paris, parto agora para Portugal...” -disse isto com um tom de voz sensual.
- Whao!
- Eu não percebi o que ele queria dizer com aquilo.
- Tu és inteligente mas às vezes pareces burra! Não vias que ele queria ver-te! Que o aguardasses…e depois quem sabe como seriam as coisas depois da meia-noite…talvez ele fosse virar lobisomem e comer-te toda!
- Ia aguardá-lo a onde? E depois iríamos fazer o quê? Simplesmente sexo?! A troco de quê?! Ele se quer putas paga! O amor é de graça, o resto não!
- Tu às vezes és lixada…olha que às rejeições que lhe deste, já muita paciência teve ele…quase que ia jurar que ele gosta de ti.
- Talvez ele goste de mim ou talvez eu seja apenas curiosidade para ele. Ele poderia ter combinado o encontro com mais antecedência, não? Eu trabalhava no dia seguinte de manhã bem cedo!! Junte-se a isto conduzir horas pela madrugada dentro de regresso a casa, trocar de roupa, tomar pequeno almoço e ir trabalhar logo em seguida…achas isso viável? Não haveriam outros dias depois desse dia?! Aquilo foi um capricho dele…sei lá. Não percebi. Eu telefonei-lhe passado as tais duas horas, conforme ele pedia no voice mail... Ele pergunta-me onde eu estava. Disse-lhe que em casa. Depois, por entre instruções que parecia estar a dar ao seu motorista: “Sim, as malas podem ir para aí…”, perguntou-me se estava tudo bem comigo, se estava tudo bem no emprego...Eu só dizia que sim.
- Não sabes puxar conversa?...só sabes escrever?!...E depois?
- Ele como que lembrando-se de algo que já há muito queria esclarecer pôs um sorriso na voz e disse-me: “Tu, ao que me pareceu nos emails, não pareceste acreditar que foi um pirata o autor daquelas respostas, eu não sou aquele! Eu sou este!...” e voltou a repetir: “Eu sou este!” Eu pergunto-lhe: “Continuo a escrever-te?, ele diz que sim. Disse-o de forma convicta, aliás as palavras exatas dele foram: “Claro que sim!”
- E onde está a grosseria a que te referias há bocado?
- Essa veio aproximadamente um mês depois desta chamada telefónica. Antes da referida mensagem dele no meu voice mail, tinha-me enviado um email como resposta a uma sms minha em que eu assino pela primeira vez como Ninfa: “Apoderas-te de mim...duro e infinito...”
- Podias ter-lhe respondido dizendo: “Eu já sou tua! Apodera-te de mim! Não aguento mais! Estou em fogo infinito, necessito desse teu infinito!”
- Passados poucos dias, ele volta a reagir a uma outra sms minha via telemóvel: “Noite, tremor de corpos, eu e tu…A exorcista Ninfa Flor”. Enviei-a por volta da uma hora da madrugada.
- A exorcista?! O que é que tu exorcizas? A maioria exorciza demónios, tu precisas de exorcizar os teus anjinhos para ver se viras uma diabinha…
- Ele telefonou-me imediatamente um minuto após o envio da sms e em voz malandra disse: ”Ninfa Flor...”, parecia estar a repetir para si próprio um nome que ele gostava de ouvir e prosseguiu: ”Eu ando bastante ocupado. Estou em Madrid... Eu não gosto muito dessas coisas tecnológicas…tu muitas mensagens me mandas…é internet, é telemóvel...não gosto disso...”. Fiquei tão constrangida que me afundei na cama pois era onde eu estava quando lhe enviei a mensagem de há minutos atrás. Afundei-me como que querendo esconder-me duma tareia telefónica e respondi-lhe com voz incrédula: ”Não gostas?...”, ele viu que fiquei insegura e aproveitou isso para avançar, dizer algo mais ousado, em tom auto confiante e a sorrir: “Não, não gosto. Eu gosto mais de expressão corporal!”
- E tu o que disseste?
-Eu, involuntariamente, disse: “Eu também.” Ele contra argumenta imediatamente: “Não parece...tantas mensagens!” Eu fiquei tão atrapalhada que fiz silêncio como que amuando e depois tossi ao de leve como se ele estivesse a ser muitíssimo inconveniente! Ele ficou sem jeito e disse logo: “Eu vou dormir...”
- Meu Deus! Ele não sabia o que fazer contigo! Outra coisa: se tu um dia quiseres virar artista, tens de ser muito mais ousada!! Não podes complicar as coisas nem vir com pensamentos filosóficos para onde não são chamados! O que é que tu lhe disseste em seguida? Quase posso jurar que a resposta que lhe deste quando ele disse que ia dormir foi: “Boa noite...” –em tom suave e inseguro, acertei? E um dia ele enervou-se, correto?
- Enervou-se no dia dois de Janeiro deste ano. Ano dois mil! Bela data, não? No início do novo milénio…ele enerva-se comigo!
- Enervou-se muito?
- Ele deveria andar mal disposto e preocupado, muito possivelmente. Ele, tal como muitas outras bandas, lançaram o seu novo álbum em novembro…O CD não teve as vendas dos seus anteriores e deve ter sido um choque para ele, acho eu. Os meus pressentimentos no encontro de Maio também já anunciavam um mau presságio: eu sentia-o cansado em termos de alma. É dela que vem a força criadora mas a dele estava bêbada...
- Minha querida, fala-me de forma que eu entenda, poder ser? Uma pessoa bêbada sei o que é mas uma alma bêbada não sei!...
- A alma dele estava subalterna, estava atrofiada pelos prazeres do corpo, então ele tentou alugar uma alma nova através de letras pseudo-intelectuais para o seu novo CD mas tal não vendeu...
- Alugar uma alma…A onde vais tu buscar essas tuas ideias subatómicas?
- Eu para o tentar animar, em finais de dezembro, enviei-lhe uma mensagem para o telemóvel dizendo mais ou menos isto: “Problemas igual a panteras de pêlo azul e olhos cor-de-rosa. Lembra-te: nunca ver! Sempre pensamentos positivos!“
- A que propósito vêm as panteras de pêlo azul e olhos cor-de-rosa? Não percebi.
- O que eu queria dizer era que: assim como não existem panteras de pêlo azul e olhos cor-de-rosa também não existem problemas a sério!...
- Panteras de olhos cor-de-rosa...como é que sabes que elas não existem? Existem cisnes pretos, sabias?
- Sim...na Austrália, mas custa-me a acreditar que hajam panteras de olhos cor-de-rosa! Pedimos duas fatias de pizza?
- Vamos a isso!
- O facto de as vendas do CD terem sido baixas deve-o ter afetado a vários níveis…quer psicologicamente, quer monetariamente. O mercado discográfico em Portugal é pequeno. Penso que a maioria dos cantores portugueses consegue faturar de forma mais significativa, atuando para as comunidades portuguesas no estrangeiro como a Suíça, França, Canadá e principalmente os Estados Unidos da América.
- Como é que foi então o vosso rompimento no dia dois de Janeiro?
- Poucas horas antes da passagem de ano, tinha-lhe deixado mensagem no voice mail, dizia: “Isto é uma mensagem gravada. Vou fazer a passagem de ano aqui perto numa casa que tem aspeto exterior de palácio mas que em tempos foi uma casa de “meninas”. Tu vais estar em concerto... E se tu disparasses contra os projetores que iluminam o teu palco para tudo escurecer, eu poder subir para cima do mesmo e dar-te um beijo sem ninguém ver?” E terminei a mensagem com uns sorrisinhos. Enfim…palermices minhas.
- Passagem de ano numa casa de “meninas”?!
- A discoteca em tempos tinha sido um prostíbulo luxuoso…Foi comprado e transformado numa discoteca, há já muitos ano.
- A discoteca era um prostíbulo luxuoso?! Conheço a discoteca mas desconhecia esse pormenor. A minha passagem de ano fi-la no Algarve conforme sabes, com o meu novo namorado. Qual foi a reação dele à mensagem?
- No dia 2 de janeiro, dois dias depois, telefonei-lhe. Ele atendeu. Eu disse “Olá! Sou eu a Ninfa Flor!”. Ele nem me deixou dizer mais nada: “Tu...andas com uma obsessão em relação a mim...”, disse-o num tom de voz arrastado e estranhamente pausado querendo insinuar eu ter uma obsessão exagerada por ele. Estava acompanhado de uma outra mulher pois ouvi saltos altos a caminharem sobre pavimento de madeira, ouviam-se nitidamente os saltos altos. Ela devia estar a afastar-se para o deixar à vontade, não sei se voluntariamente ou se ele fez algum gesto nesse sentido, pois à medida que eco dos saltos altos se afastava ele ordenou-lhe: “Fecha a porta.” Ordenou que a porta se fechasse como quem anuncia que vai ter uma conversa desagradável e não quer que os outros ouçam as grosserias que ele tem para dizer, pois tem uma imagem a conservar. Essas grosserias só poderão ser ouvidas pela pessoa do outro lado da linha. Neste caso, eu. Vim a perceber, graças a ele, que eu era a fulana do outro lado da linha que não via os limites e que ele me os iria mostrar! “Tu podes enviar as mensagens que quiseres para onde tu quiseres…pode ser para o meu correio eletrónico, para o meu apartado... para onde tu quiseres... mas para aqui não!!! Não para o meu telemóvel! Este é um espaço privado!”
- Manda-o à merda... Tu não conheces o fulano de lado algum e foste dar-lhe uma atenção exagerada, para quê?!! Tu não precisas dele! Tu és da forma que és: muito ingénua, frágil, bem intencionada mas exagerada nos atos…toda esta história está a desequilibrar-te emocionalmente! Só porque ele é cantor e músico, pensaste que ele iria apreciar a tua criatividade literária ou a tua forma de ser?! Manda-o para o inferno! Hei…não vais começar a chorar, pois não? Mais tarde ou mais cedo ele ia achar-te obsessiva, eu avisei-te! Ele é um tipo vulgar e banal a fazer de conta que é especial, criativo, único… Espero bem que um dia tu triunfes e ele se afunde para sempre!
- A parte melhor vem a agora: eu queria falar mas ele não me deixava...ele vendo que eu insistia em querer falar disse-me: “Eu não queria...mas estás a obrigar-me a desligar-te o telemóvel na cara! ”. Eu aqui fiz silêncio.
- Desligar-te o telemóvel na cara?!...
-Ele mais calmo acrescenta: “Tu estás a obrigar-me a cancelar este telemóvel...eu tenho três telemóveis...e estás a obrigar-me a cancelar este número…”. Eu chocada com aquela agressividade dele que alternava com calma disse: “Isso não será necessário...não escrevo mais”. Eu estava surpreendida com o tamanho do drama que ele estava a fazer! Ele vendo que me conseguiu fazer sentir culpada, voltou a repetir-se, mas desta vez com voz mais meiga e pausada. Como quem explica a uma criança algo que é nitidamente óbvio e que já há muito tempo ela devia saber que era errado o que ela andava a fazer ultimamente. Ele diz: “Pois...obrigas-me a cancelar...tu podes escrever-me para o meu email que eu apesar de receber muitos emails de fans leio-te na mesma.”
- A tua história com este fulano é surreal! Deixa-o ir embora e não olhes para trás! Este fulano cantor está a fazer-te sentir pessimamente mal. Tu és melhor que ele: quer como pessoa, quer no campo criativo. Tu mereces ter um homem espectacular a teu lado e não um fulano deste género que nem sabe o que anda cá a fazer neste planeta Terra. Ele vive para a imagem e para impressionar. Por dentro, possivelmente nem terá conteúdo algum, será oco. Um dia vais dar-te a conhecer ao mundo, passarás fronteiras e voarás! As tuas asas de anjinha vão ficar enormes e verás o mundo! Conforme diz o povo: “Deus escreve direito por linhas tortas…“. Toda a tua história é errada, ilógica, absurda mas talvez a graça venha mesmo daí, de ela ser totalmente anormal! Tu és fora do normal!…A tua forma de ser enquadra-se bem no mundo artístico! Não vês que todos aqueles que atingiram o estatuto de mega estrela têm bastantes anormalidades nas suas vidas?... No mundo artístico comportar-se como a maioria e pertencer ao rebanho não traz proveito! Portanto, ser anormal é bom! Percebes? Agora para de chorar, ok? Lembras-te da vidente brasileira te dizer que um dia serás famosa e que terás uma multidão de multidões? Estás a ver? Para quê ser normal?! Tu és a minha anjinha preferida! Já sorris! Assim está melhor!
- Obrigada pelo teu apoio…fui-me abaixo…já estou melhor.
- Querida…são os nervos a darem sinal do teu sofrimento. Gostavas dele, confiavas nele…percebeste que esse fulano cantor tem de ser deixado em paz, certo?
- Quando ele ficou mais calmo, e me disse que eu lhe poderia escrever que ele leria, consegui que ele me deixasse falar. Perguntei se ele me poderia ver…
- O que respondeu ele?
- Em altos berros, quase histérico, respondeu-me: “O QUÊ?! O QUÊ?!”
-Afasta-te dele! Fim de história! Tenho a certeza que Deus trabalhará as circunstâncias a teu favor. Um dia vais entender que tudo tinha de ser assim…
- Tu, uma ateia bonitona, a falar de Deus…
- Porque não?! Deus não me impede que eu fale dele ou que diga que não acredito Nele. Deus é o máximo! É melhor que a raça humana! Acerca do cantor: a tua ingenuidade revolta-me! Tu não quiseste ver o que vinha na tua direção! Eu tinha-te avisado!!! Tu és a principal causadora da tua absurda ilusão com este fulano!…Deverias ter-lhe desligado imediatamente o telemóvel na cara! Fim de história! Fim de cantor!
- Foi humilhante...como se não bastasse ouvir aquele berro dele dizendo “O QUÊ?!” saiu-me em seguida a seguinte palermice: “Mas eu escrevi-te durante dezoito meses!”. Ele responde-me dizendo: “Isso não quer dizer nada!”
- Patife! Não fiques assim tão triste…quando eu chegar à Austrália compro-te um canguru enorme de pelúcia, todo fofinho e envio-o por avião para ti! Vou ver se consigo um de olhos cor-de-rosa!
- Detesto quando me sinto insegura…vou-me abaixo…
- Inseguros todos nós somos nesta vida…todos temos medos. Mas convém que quando a insegurança te cerque finjas para os outros e para ti, que continuas bem, para que os demais não pressintam a tua insegurança. Pois, os de mau caráter adoram tirar proveito disso. Se queres viver bem, ou ir para aquele mundo artístico e seres cantora, tens de ser implacável com quem te tenta lixar a vida. Terás de lidar com muita gente: desde managers, a músicos, promotores de eventos, passando por advogados entre outros. Tens portanto de passar a mensagem que quem se mete contigo, pago caro! Percebeste, anjinha querida fofa? A vida é um negócio feroz, é uma troca…se dás mais do que recebes chama-se a isso prejuízo ou se quiseres: sofrimento.
- Estás certa no que dizes…
- Tu nunca te sentirás só no mundo. Tu terás sempre as tuas criações artísticas. Vou partilhar uma coisa contigo: eu acho que criar uma obra artística através de um livro, música, pintura ou outra, permite ao simples mortal aceder a outra dimensão…a alma torna-se divina abandonando o que é vil...Gostaste desta minha frase?
- Sim gostei. Muito bonita…Vou acabar de te contar o resto da conversa com o cantor…conta-se rapidamente. Quanto à minha pergunta que lhe coloquei se me poderia ver e após aquela frase aos berros: “O QUÊ?!”, esqueci-me de te dizer que ele acrescentou: “A ausência de resposta é a resposta!!”
- Grande idiota! Ele que vá foder o juízo a outras! Tu tens uma paciência de santa! E depois tu disseste-lhe aquilo de teres passado ano e meio a escrever-lhe?
- Sim. Ele então dá-me a tal resposta: “Isso não quer dizer nada!!“ e agora mais meigo acrescenta: ”Tu podes escrever-me. Eu imprimo os textos e leio-os mas, mensagens para o telemóvel não!” Diz-me: dá para entender ? Ele quer romper ou não?
- Se tu criaste a dependência relativamente a ele é provável que ele também tenha desenvolvido, inconscientemente, dependência em relação a ti…
- Achas?!
- Sim... Tu minha anjinha cativas o coração de quem te lê…gosta-se rapidamente de ti. És muito ingénua…tanto que até me apetece abanar-te de cima abaixo para ver se acordas para este mundo, embora eu goste de ti assim. Acreditas em milagres, na bondade da vida, na amizade das pessoas…isso faz acreditar que o mundo é um bom lugar para se viver. Eu sou o oposto de ti…eu desconfio…eu sou amarga…por isso quando estou em contacto com a tua forma de ver o mundo, sinto-me mais leve. Pode ser que o mesmo suceda com esse cantor, pode ser que ele se sinta bem ao ler-te. Alivias-lhe a alma, quem sabe? As figuras públicas lidam com todo o tipo de pessoas: manipuladores, oportunistas, mentirosos, hipócritas, corruptos e sei lá que mais!…às vezes é bom encontrar-mos anjinhos ingénuos como tu….dás leveza à vida…
- Achas que se eu escrever algumas letras para canção, as deva dar-lhe a conhecer?
- Tu és uma desconhecida e portanto não sei até que ponto ele achará prestigiante trabalhar contigo uma vez que ele trabalha bastante com artistas conhecidos…mas podes tentar, embora eu duvide que ele te vá dar feedback algum. Como terminou a vossa conversa telefónica? Foi daquela maneira, ele dizendo que podias escrever-lhe?
- Sim. Sabes, ando a procurar informação sobre o registo de direitos de autor de letras de canções. Pedi informações a uma grande editora de música e a uma entidade na internet relacionada com direitos autorais...e nada! Ninguém me diz nada!
- Tem calma…tu vais descobrir a onde e, como fazer esse registo.
- Vou-te contar mais uma coisa: fui assistir a uma palestra dele há dois dias atrás!
- Essa história com o cantor ainda não terminou?! Não gozes comigo!! Foste a uma palestra dele?! Para quê? O público podia colocar-lhe questões?
- Sim, no final da palestra podia-se colocar questões. A grande maioria da assistência era formada por estudantes universitários. Curiosamente os sexos masculino e feminino estavam repartidos equitativamente.
- Tu não colocaste pergunta alguma, tenho a certeza! Tu és tão tímida!
- Pois sou…A maioria das questões foi-lhe colocada pelas estudantes e todas elas tinham imenso à vontade...
- Nada tímidas, pois não? E ele também nada tímido com elas, pois não? Estás a ver?! Não achas que andaste a perder o teu tempo com ele?
- Algumas estudantes colocaram-lhe perguntas mais elaboradas, mais intelectuais mas a maioria vinha com questões simples, por exemplo: “Tu, uma vez num concerto aqui nesta cidade, disseste que tinhas aqui muitas namoradas...Passeavas com elas pela cidade ou iam directamente para o hotel?” Ele foi respondendo de forma evasiva: “Vocês não devem acreditar em tudo o que eu digo...”. Depois uma outra perguntou-lhe o que ele faria se o mundo acabasse amanhã.
- Ele disse que fodia, não?
- Sim. Eu vim mais cedo para ter lugar na primeira fila. Vi-o chegar ao local. Veio acompanhado de um cameraman, um motorista, que pelo aspeto corpulento deveria acumular também a função de guarda-costas, e da jornalista que iria escrever o artigo sobre a palestra. Ele disse que se soubesse que o mundo acabava amanhã simplesmente fodia! Não seria amor! Seria simplesmente foder! E devolveu a mesma pergunta à estudante que lha tinha colocado: “E tu, o que farias?” Ela simplesmente responde: “Fodia…”
- Ela era jeitosa de corpo?
- Não…nada de especial. Nem de corpo, nem de rosto, nem na forma de se vestir…diria até que tinha um jeito púdico de ser mas disse: “Fodia…” com um tom de voz como quem diz: “Sou anémica. Vais ser tu a mexer-te porque eu vou apenas abrir-te as pernas!” A palestra terminou e ele foi rodeado por muitas estudantes que formaram uma fila de espera para os autógrafos. Eu também fui para a fila. Ele ficou visivelmente incomodado à medida que se aproximava a minha vez. Começou a dizer que tinha de se ir embora, perguntava as horas a uma fan a quem estava a dar um autógrafo e insistia: “Eu tenho mesmo de ir embora.” Uma fan à minha frente diz-lhe que veio ali propositadamente para o ver apesar de amanhã ter de acordar cedo para as aulas. Era quase meia-noite. Ela perguntou-lhe ainda se ele se lembrava dela de uma outra sessão de autógrafos. Eu olhei por instantes para esta fan próxima de mim. Ao direcionar o meu olhar novamente para o cantor notei que ele tinha usado o meu desvio temporário em que eu olhara para a fan, para me mirar. Ao fixá-lo novamente nos olhos, ele instantaneamente olha novamente para esta fan, que tinha afirmado ter de acordar cedo e que lhe tinha colocado uma pergunta. Ele pede-lhe para repetir a questão e ela assim fez: “Lembras-te de mim de uma outra sessão de autógrafos?” Ele ao ver que a minha vez se aproximava, parecia cada vez mais nervoso, mais agitado…tive pena dele e vim embora sem pedir autógrafo algum.
- Tiveste pena dele?! De facto és engraçada….Como foste vestida?
- Levei um vestido comprido de cores mais ou menos fortes em tons de inverno e um casaco de pelo sintético cor-de-rosa pálido…a noite estava fria. Não gosto da cor rosa... só de uma tonalidade muito especial como a daquele casaco e, fui de botas.
- O meu anjinho de cor de rosa especial e de botas!…Tu se não existisses terias de ser inventada! Não queres vir comigo para a Austrália?
- Eu?! Quem sabe…um dia…
Data: Segunda-feira, 08 Maio 2000 22:37h, *Assunto: "Letras para canções”
Olá. Envio-te em ficheiro anexo doze letras de canções, da minha autoria, de um futuro álbum a chamar-se “Incenso”.
As letras estão feitas…falta a composição. Eu não sei compor melodias mas tu sabes…
Muitas vezes observo, em canções que vão passando por aí na rádio e televisão, que o conteúdo da letra é triste mas o som é super alegre…contraste curioso.
Acerca das letras que te envio sente-te à vontade para teceres críticas e dares sugestões...Obrigada.
Data: Domingo, 18 Junho 2000 09:47h, *Assunto: “Canções e Coisas do Coração”
Já passou mês e meio. Não recebi comentários teus relativos às letras para canção. Receaste desanimar-me? Ou nem as lestes?
As canções falam de coisas do coração.
Quando as terminei, foi uma tristeza para mim. Talvez escreva mais algumas...
Gostei de as escrever. Tem-se a sensação de que temos ali um amigo que nos apoia, que nos escuta…Tem-se a sensação de não se estar sozinha neste mundo, a sensação de que talvez eu faça falta neste mundo terreno, que talvez tenha coisas para dizer. As letras que escrevi e que te enviei, ajudaram-me emocionalmente. Tenho um forte vínculo afetivo a elas. Elas ajudaram-me e talvez também ajudem outros.
As pessoas têm problemas e, o amor parece ser aquele problema, por vezes, insolúvel e repetitivo. As pessoas procuram consolo ou solução para as suas vidas, as canções muitas vezes são-no.
As mesmas mulheres que te adoram hoje, um dia adorar-me-ão e do meu lado estarão. Acredita que tu e eu "partilharemos" as mesmas mulheres. Além desse apoio, terei também a classe masculina por perto. Espero que esse apoio masculino seja superior ao que tu tens pois afinal sou mulher e tenho cabelo comprido.
Escrever letras para canção não é simples e também não é fácil. As ideias sob a forma de frases vêm à mente mas nem sempre rimam, outras vezes nem vão ao encontro das experiências da multidão por serem experiências muito peculiares e por isso, difícil de tirá-las de nós com clareza suficiente para as apresentar aos outros. Mas eu apesar de ter energia espiritual também sou um ser banal e mundano –consigo portando ir ao encontro da multidão. Um pouco de mundano e banal faz bem, é só ter atenção à dosagem porque acaba-se sempre por absorver o ambiente mundano-banal que nos rodeia.
Para escrever as letras de canção andei sempre com um pequeno bloco de apontamentos no bolso. Anotava as ideias que iam surgindo: por vezes elas aparecem e desaparecem repentinamente, é preciso anotá-las de imediato antes que sejam perdidas ou esquecidas.
A vida que levo atualmente não vinga a minha imaginação e a minha forma de ser. Estou cansada dos meus dias. Os dias que passam são sapos vivos que engulo. Um dia serão tão grandes que morrei sufocada…
Há dias escrevi na internet, num site de anúncios para bandas, o seguinte: “Procuro banda. Eu entro com a voz. Necessito de um bando de músicos rebeldes que procurem uma cantora. Recuso-me a imitar outros cantores. Música: rock, pop, jazz, fado, tudo à mistura. Quanto mais esquisito melhor.”
Ninguém respondeu ao anúncio… às tantas o anúncio foi bizarro, não?
Ninfa Artemis