
Capítulo 2
A BANDA
- A dada altura do trajeto no metro, saio numa estação mas ele prossegue…Ele iria dormir a casa de um dos elementos da banda para juntamente com eles, ir para o aeroporto às 3.30h da madrugada. Ainda na estação de metro, minutos antes, ele tinha-me perguntado: “Tu voltas daqui a dois meses, não é?” Eu respondo-lhe que sim; que eu ainda tinha algumas coisas para terminar no estúdio de gravação em Portugal e que não tinha dinheiro para voltar dali a quinze dias conforme ele queria. Ele insistia para que eu viesse vê-lo atuar, com a sua outra banda de heavy metal, dali a duas semanas. Fiquei tão triste por estar a despedir-me dele que ele me repreende: “Hei, não fiques assim triste à minha beira…só depois de nos separarmos.” Mas poucos minutos depois já eu estava na estação a onde teria de me apear. Ele abraçou-me rapidamente e eu disse-lhe que tudo iria correr bem na Suécia. Saí. Caminhei na plataforma junto à linha do combóio. O metro ia ficando para trás. Ainda não tinha arrancado. Eu continuava a caminhar lentamente. Aguardava que o metro arrancasse. Subitamente fá-lo, ganha velocidade. As suas muitas carruagens, uma a uma, ultrapassam-me e fazem-me esvoaçar o cabelo ainda solto da “jam session” colando-se alguns fios meus de cabelo ao baton vermelho ainda nos lábios. Rodo a cabeça dirigindo um olhar a cada uma das carruagens. Com uma mão tento afastar o cabelo esvoaçante do rosto para conseguir ver o meu guitarrista. Será que já passou por mim e não o vi? Eu fixava agora intensamente cada uma das carruagens que passavam a velocidades cada vez maiores e eis que finalmente, por milésimos de segundos, vejo-o em pé, o rosto dele de frente para mim colado à janela de uma das portas. Vejo-o fazer com uma mão um gesto de luta e parecia estar a dar um grito, imitando a tal voz cavernosa de “Death Meatal” que ele tanto fazia nos ensaios e que eu tentava imitá-lo! Tive apenas uns milésimos de segundo para fixar os meus olhos nele e sorrir-lhe. Não houve tempo para eu imitar a voz cavernosa. O meu olhar ainda estava preso à última carruagem daquele metro…uma carruagem que já se tinha ido embora. Todo o comboio já estava inalcançável e desaparecido do meu olhar…mas eu ainda caminhava junto à plataforma…Eu olhava para as linhas vazias dos carris…o meu coração estava pesaroso…doía-me…sentia-me mal e o pressentimento era ruim. As coisas “más” revelaram-se um mês depois. Pioraram cada vez mais e de forma alucinante; a 3 de janeiro tudo ficou perdido e a 21 de março a minha “carreira” musical foi completamente explodida.
- Posso perguntar-te o que de tão grave sucedeu depois de regressares a Portugal? A atuação dele na Suécia correu bem?
- Eu cheguei a Portugal quinta-feira à noite. Como não estava a receber quaisquer notícias dele, domingo à noite enviei-lhe um email a perguntar como estavam a correr as coisas por lá. Não recebi resposta. Uma curiosidade: sabes que ele transportava habitualmente o seu portátil numa mochila e que para o proteger o enfiava dentro de uma camisola, embrulhando-o todo nela? Quando retirava o portátil era uma luta pois não saía pelo pescoço, nem pelas mangas –era ver a camisola com os braços a agitarem-se como se um homem sem cabeça fosse! Eu muita piada achava àquela demora em desembrulhar o seu adorado mini portátil! No dia do nosso primeiro open mic ofereci-lhe a mala de transporte do meu. Ele ficou muito emocionado, abraçou-me e eu fiquei muito emocionada com a gratidão dele.
- Tu…és uma anjinha fofa. Ele chegou a dar notícias ou não?
- Tentei contactá-lo via telemóvel mas este estava sempre desligado. Envio-lhe uma sms a perguntar se está tudo Ok com ele e as atuações. Dias depois, na segunda-feira, perto da meia-noite, recebo uma sms dele dizendo que tinha acabado de chegar a casa em Londres. Que não tinha levado o telemóvel com ele e afirmava estar tudo bem.
- Ficaste aborrecida com ele?
- Sim, porque eu teria adorado saber pormenores de atuação da banda dele na Suécia. Ambicionava ter “bagagem mínima” de bastidores para quando a minha oportunidade chegasse: sentia-me às “cegas”. Passei os longos dias e semanas seguintes em isolamento. Finalmente ficou claro para mim, de uma vez por todas, que eu tenho de dar importância imediata a eventuais sinais de alarme, escutar sempre a minha intuição e aceitar a forma de ser cada um. Não devo esperar que mudem quando na verdade, eu também tenho dificuldade em mudar.
- As chatices acontecem…gostavas dele mas as coisas complicaram-se, não é?
- Sim. Quer ele, quer depois os elementos da banda, da qual ele também fez parte, quer eu, temos características positivas e negativas. No entanto foram estas últimas, quando me senti sem rumo, que vieram ao de cima em todos nós. O baterista era inseguro e tal defeito fez com se fosse; o baixista trazido pelo baterista era uma cana ao vento e seguiu a direção do baterista; o outro guitarrista, também trazido pelo baterista, era muito cumpridor das suas obrigações mas de personalidade difícil e foi-se; o guitarrista “open mic” revelou-se rancoroso e decidiu cumprir uma ameaça que me tinha feito; eu por sua vez sentia-me perdida.
- Sentias-te perdida porquê? Que vão para o inferno! Quem está destinado a ficar nas nossas vidas não nos abandona em momentos difíceis. É uma oportunidade para criares um espaço no teu coração para um dia receberes e conheceres pessoas fantásticas! Elas andam por aí…
- Eu já te conto todos os pormenores daqui a pouco mas posso desde já te elucidar sobre o ambiente vivido na última atuação a 7 de dezembro: o guitarrista “open mic” mal me dirigia a palavra sem eu entender a razão e parecia ofendido; o outro guitarrista de difícil personalidade queria estar sozinho com os restantes elementos da banda: se me aproximava, dizia aos outros para irem para outro ponto do bar. Eu não tive outra opção senão isolar-me tendo ficado num canto, quase cinco horas, sozinha até que a minha vez de atuação chegasse!
- Que situação desagradável… Quem precisa de uns fulanos como aqueles? Aquilo não era a tua banda mas sim um motim!
- Sabes como me surgiu a ideia da retoma deste livro, cuja escrita interrompi 12 anos antes?
- Uma voz disse: “Livro!” tal como da outra vez te tinha dito: “Londres!”?
- Tu gozas comigo mas foi parecido ao que dizes! No dia 21 de março acordo às 2.50h da madrugada para me meter no carro: iria até ao aeroporto para viajar até Londres. Tinha ensaio marcado com a nova banda recém formada! Uma voz na minha mente, vinda do nada, disse-me algo…
- Disse o quê?
-Eu estava a esforçar-me por sair da cama: estava adoentada com fortes sintomas de gripe. A voz falou-me como se fosse eu a falar comigo mesma e com o meu timbre de voz: “Eu deveria era escrever um livro! O que iriam os fulanos da ex-banda dizer? Que eu não sei escrever?! Coitados!” Eu muito surpreendida com este pensamento, replico: “Eu vou cantar e não escrever! Que ideia doida a esta hora da madrugada! Quero tanto ficar na cama a dormir, estou tão doente!” Nesse mesmo dia às 4 h da tarde enquanto corria, a fugir, subindo uma rua dos subúrbios do centro de Londres deixando a sala de ensaio para trás bem como, a nova banda, compreendi a “voz” daquela madrugada. E afirmo: “Vai ser bom voltar a escrever! Talvez tudo faça parte de um plano maior. Talvez o colapso de tudo tenha a sua razão de ser. O momento certo é o agora! Eu tenho matéria para finalizar o livro!”
- A minha adorada Ninfa escritora…a minha anjinha fofa!
- Pois, sou eu! Fugi, corri e apanhei o comboio para o centro de Londres. Entrei e sentei-me. Sorri. Eu ia regressar à escrita! Eu sentia já os efeitos: estava a ficar muito mais optimista. A vida é bela! Virei-me para os meus amigos de sempre, mesmo em frente a mim: o pânico, o desespero, o stress, a solidão, o abandono, o pessimismo, a humilhação, a insegurança, o vazio! Disse-lhes: “Vocês sempre me rondaram, não é verdade? Ótimo! Temos trabalho a fazer: o livro! Vamos trabalhar todos em equipa! Vai ser divertido! Hei, apetece-vos agora dormir?! Não vos apetece assustar-me?! Fazem-no constantemente! Então o que se passa convosco? Estão desanimados?! Não pode ser! Eu não vou escrever o livro sozinha! Preciso de companhia! Vocês vão ajudar-me a avivar as memórias de toda a minha vida! Para que servem os amigos? Temos de permanecer juntos! Eu faço-vos sandes, jantaradas e vemos até uns filmes de terror juntos, não acham isso fantástico? Vocês adoram-me ver assustada, não é amiguinhos? Vamos todos juntos escrever o livro! Venham aqui, para a minha beira!”
- Este teu discurso teatral foi o máximo! Teve estilo! Retomando a história do teu regresso a Portugal após o open mic, o teu guitarrista continuou ausente?
- Sim. Na segunda semana, em Portugal, ainda andava eu muito agarrada às minhas boas lembranças do open mic e a ele. Envio-lhe, tal como lhe havia prometido em agosto, umas coisas “boas” de Portugal. De uma só vez pelo correio, ele recebe três garrafas: uma de vinho do Porto, uma de Anis Escarchado e uma de Ginjinha, além de alguns souvenirs nos quais estava escrito “Portugal”. Estes iam desde porta-chaves, a copos, passando por búzios etc, que eu tinha comprado em lojas junto à praia, nesse fim-de-semana. Eu tinha ido ver o mar para arejar as ideias.
- As ideias ficaram arejadas?
- Nem por isso. Eu precisava de sair de casa, ver pessoas descontraídas tal como se vê na praia. O som das ondas do mar também tem um efeito relaxante em mim. Eu andava preocupada: tinha de formar banda em Londres a partir de cá! Para tal teria de convencer músicos a integrarem a minha banda mas para tal, deduzia eu, teria primeiro de conseguir um promotor que me desse uma atuação ao vivo para uma banda rock! Para eu assim convencer os músicos a fazerem parte da minha banda porque eu podia-lhes garantir ter concertos agendados! Mas havia um problema: eu não tinha qualquer registo vídeo, com banda ao vivo, para os promotores de eventos avaliar a prestação e cederem-me uma oportunidade!
- Estava difícil a tua situação…
- Difícil ou não, eu tinha de lutar por aquilo que eu queria. O meu “amigo ausente” envia-me uma sms a agradecer o que tinha acabado de receber em casa. Afirma ter gostado e finaliza dizendo: “Já me começo a sentir português! Ahaaaa ahaaaa!” Não gosto muito destes “ahaaaa…” a imitar o riso pois o tal encenador de teatro, candidato a meu guitarrista, usava-os muito nos email e desde então arrepio-me!
- Arrepiaas-te com o “Ahaaaaaa”?!
- Sim! Pois é sinal de que vou ser lixada.
- Alguém que usa “ahaaaa “ a rir-se nos emails dá-te azar?!
- É verdade. Queres provas? O encenador de teatro que usava muito esse “ahaaa” quase que me azarava ao tentar iludir-me; o guitarrista “open mic” quase que me azarou mudando o rumo da minha vida quando os amigos escassearam; o baterista da banda de março fartava-se de usar aquele riso e vislumbrei nele um caráter VIP que me lixou os nervos; finalmente a rapariga filipina a quem eu suspeito que o guitarrista “open mic” lhe começasse a apalpar as mamas grandes e outras coisas, tinha muito essa mania do “ahaaaa” nos comentários bem dispostos na sua rede social…
- A rapariga filipina lixou-te a vida?
- Ele começou a ficar verdadeiramente difícil de se lidar com, só porque esvaziar os tomates lhe enaltecia o ego! Todo o meu retorno a Londres foi caricato!
- Tu dizes que o sentias ausente quando regressaste a Portugal…
- Ele habitualmente, já em agosto, era de poucas palavras. Ele era mais do tipo observador, discreto, analítico, reflexivo e pragmático e agora, que eu estava Portugal, sentia isso mais na pele. Eu sentia-me totalmente isolada. Fui à rede social para saber coisas, dentro do possível, sobre ele. Em Londres pouco ou nada me tinha falado dele mesmo. Constato que ele é igualmente parco e reservado no que coloca na sua rede social. Eu queria perceber melhor o mundo dele, o mundo da música…
- Conseguiste?
- Por sorte, os amigos dele e as suas duas bandas, iam atualizando informações através de fotos, vídeos de atuações ao vivo bem como, através de comentários. A tal banda que tinha ido à Suécia apresentava fotos: ora em palco, ora todos, incluindo o meu guitarrista, abraçados uns nos outros em semicírculo nos bastidores. Algumas fotos até incluíam copos de cerveja na mão. Outras ainda, mostravam a referida banda à volta de um microfone numa estação de rádio a dar uma entrevista. Por pesquisas na internet, percebi que a atuação na Suécia inserira-se num festival menor de rock, contando fundamentalmente com a presença de bandas nacionais. Eles eram a única banda internacional. Em jornais locais, na secção de música, a banda tinha merecido alguma atenção. Mais tarde, quando intensifiquei a pesquisa percebi o porquê das idas em particular à Suécia: o outro guitarrista da banda, marido da vocalista e ambos fundadores da banda, é de dupla nacionalidade sendo a mãe escocesa e o pai sueco.
- Prosseguiste a recolha de informações, certo?
- Sim. Em finais de setembro o meu guitarrista partilhava na sua rede social que tinha terminado o curso. Era domingo. Por cá aos domingos está tudo encerrado mas por lá parece que se terminam cursos! Possivelmente foi a defesa da tese dele através de uma atuação perante um júri. Entretanto para mim, tinha começado novamente a dor de cabeça dos anúncios: andava à procura de músicos para formar uma banda londrina, no mesmo website onde ele se tinha oferecido para meu guitarrista no open mic tempos atrás. Comecei também a pensar em conseguir uma sala de ensaio em Londres. Passados alguns dias descobri uma que fazia bons preços e peço ao guitarrista, por email, que por favor verificasse se as condições da sala seriam boas dado que eu não o saberia avaliar. Não obtive resposta. A dada altura desesperei e pergunto-lhe se eu poderia contar com ele ou, se avançava sozinha. Hoje suponho que ele tenha visto tal como uma ameaça de exclusão. No entanto, eu sentia é que era ele que me excluía!
- A insegurança espalhava-se pela tua mente, não é?
- Sim, bastante! As ideias estavam cada vez mais confusas e não sabia o que me reservava o futuro. Eu parecia que falava para ninguém e achava que ele me ia deixar pelo caminho! Após insistência minha relativamente à verificação da sala de ensaio, ele envia-me uma sms a dizer que está fora de Londres. Que estava de férias até 15 de outubro, que precisava de sair da cidade para espairecer. Dias mais tarde vejo fotos dele em atuação com a sua banda de heavy metal em Londres.
- Mas ele não estava de férias?
- Deduzo que as tenha interrompido. Dias após isso, na rede social de um amigo dele, aparece uma foto! O meu “amigo ausente” dentro dum café em frente a um vídeo game que simula uma mota a grandes velocidades tendo ele ao lado uma rapariga ruiva de madeixas loiras. Ela surgia identificada. Alguns dias mais tarde, aparecem fotos na rede social dela bem como do seu grupinho de férias: o guitarrista “open mic”, o amigo dele que lhe tinha tirado a foto no café e a ruiva. Desta vez todos em Paris junto à torre Eiffel!
- E tu sozinha em casa…
- Estávamos em finais de Setembro. Eu tinha deixado Londres há um mês e andava entediada: as poucas coisas pendentes no estúdio de gravação já tinham sido finalizadas, não mais precisava de me deslocar até ao estúdio ou a lado algum, exceto até ao emprego. Para quebrar o tédio, continuava as minhas pesquisas acerca do meu “amigo ausente”. Dei-me ao trabalho de ver todas as fotos do seu álbum online na rede social bem como, todas as fotos daqueles que surgiam mais assiduamente com ele. Percebi que o outro amigo e amiga eram também finalistas de música na mesma universidade que ele: o amigo era guitarrista tal como ele mas ela era baterista! Eu achei o máximo! Uma mulher baterista! Pelas fotos de atuação das bandas dela constatei que atuava sempre de vestido curto e decotado.
- De vestido? Mas ela não tem que abrir as pernas para tocar bateria?
- A bateria está de frente ao músico portanto oferece alguma privacidade. Eu já tinha visto mulheres bateristas em vídeos de música no entanto, um pouco masculinizadas na forma de se vestirem. Além de cabelo muito curto, estilo militar e muitas tatuagens nos braços. Esta apresentava-se de vestido e cabelo liso sedoso solto pelos ombros. Pelos vídeos dela, de quando adolescente, constato que também toca guitarra, canta e mantém com o mesmo corte de cabelo da há anos.
- Em Londres, o guitarrista vivia com quem?
- Durante o open mic, ele tinha-me confidenciado que vivia na casa de uns tios, mas pagava aluguer e o quarto era minúsculo: havia apenas espaço para uma cama e uma mesa, estando toda a sua roupa debaixo da cama guardada numa mala. Disse que ambicionava mudar de casa…
- E com certeza que queria ter a sua privacidade para se expandir na sua actividade sexual...
- Sabes que eu tenho uma canção no projeto “Incenso” de nome “Batismo no Sexo” que fala de um lobo lambão?
- “Lobo lambão”…gosto da expressão! Retornando aos teus anúncios para a formação da banda, os músicos começaram a responder?
- Sim. Surgiram dois músicos franceses irmãos- guitarrista e baixista que iriam fazer parte da banda. Pedi ao meu “amigo ausente” se poderia encontrar-se com eles e trocarem algumas impressões mas uma vez mais, não me responde.
- Quando é que o teu adorado guitarrista deu sinais de vida?
- Ele só se manifestou quando lhe comuniquei que a banda estava formada.
- Conseguiste formar banda sem a ajuda dele?! Fantástico!
- A banda foi formada e logo no dia a seguir demitida!
- O quê?!
- No dia a seguir, os músicos da eventual banda revelaram-se uma surpresa para mim! Começaram a informar-me dos preços que intencionavam cobrar! O meu anúncio tinha sido claro ao dizer que eu pagar-lhes-ia se o promotor me pagasse a atuação; que caso eu recebesse, a totalidade seria repartida por eles dispensando eu a minha parte. Mas é sabido, e eles também o sabiam, que em Londres, a maioria das bandas trabalha de graça só para terem o privilégio de puderem atuar.
- Lindo…
- Antes da formação desta banda tinham respondido músicos que fixavam preços exorbitantes para as minhas posses. Eu tinha referido tal facto ao guitarrista “open mic”. Pouco tempo depois responde ao anúncio um baterista que afirmava ser amigo dele. Não acreditei pois nada me tinha sido comunicado pelo próprio. Para além disso, o músico do estúdio de gravação considerou que ele ainda estava um pouco verde como baterista. Informo de imediato o guitarrista “open mic” que já não havia banda e que iria retomar contacto com o baterista, amigo dele. Este baterista aceitou o convite. Tinha ar rockeiro e cabelo preto longo.
- Tu tens uma fixação pelo ar “rockeiro” e pelo cabelo!
- Talvez. Consultei o perfil do baterista na rede social. Este referia estar numa relação com alguém, que embora de nome feminino, esta na sua rede social, afirmava ser do sexo masculino. Consultei as fotos do namorado. Este tinha seios, vestia-se de mulher e tinha cabelo longo que lhe tapava o rosto nas fotos.
- O namorado parecia ser jeitoso…
- Eu pensei: “O baterista tem um caráter forte! Assumir abertamente uma relação homossexual! O outro é que não entendo porque não se assume e tapa o rosto com o cabelo!” Entretanto tinha conseguido um promotor que me oferecia uma atuação a uma sexta-feira, 7 de dezembro! Tomei conhecimento desta oferta em finais de outubro. Uma atuação para dali a 1 mês e eu ainda sem banda! Tinha apenas o meu guitarrista e o seu amigo baterista. Os músicos que iam surgindo através do anúncio iam sendo rejeitados pelo músico do estúdio: ou eram incompetentes ou indiciavam uma personalidade difícil ou, queriam ser bem pagos!
- Portanto, estavas contente com a oportunidade dada pelo promotor mas ao mesmo tempo muito apreensiva por ainda não teres banda, certo?
- Sim, muito apreensiva: a pouco mais de um mês da atuação e não tinha banda nem ensaios com a suposta banda! Eu desesperava e enviava emails “chorosos” ao guitarrista “open mic”. O meu pessimismo chorava e estrebuchava. Os meus pensamentos agitavam a cabeça e os braços no ar! “Estás perdida! Vais perder! Diz adeus a Londres e à tua oportunidade de 7 de dezembro!”
- O teu guitarrista disse-te alguma coisa? Tentou-te acalmar?
- Total silêncio. Hoje tenho quase a certeza de que eu lhe estava a arruinar as férias! Sabes que tive um outro promotor que quase me propôs uma outra atuação? Mas este desapareceu por achar que eu estava a gozar com a cara dele!
- Tu a gozar com a cara de alguém?! Isso é novidade para mim…
- Esse promotor responde ao meu email em que eu me auto proponho para uma atuação no seu bar. Afirmava-lhe ser uma cantora ainda a viver em Portugal mas com uma banda rock londrina!
- Mas tu não tinhas banda!
- Pois…mas como iria eu conseguir uma atuação junto a um promotor dizendo-lhe que eu não tinha banda? Achas que ele me a daria uma oportunidade? Esse promotor pergunta-me como penso eu promover o meu concerto.
- Mas isso não era a tarefa dele?!
- Eu achava que sim e passei-me da cabeça! Eu escrevi as canções, fiz a linha melódica, cantei-as, fazia o pagamento das minhas gravações, estivera em Londres a fazer open mic para adquirir experiência em atuações ao vivo, agora fazia imensos esforços para a formação de uma banda e para cúmulo dos meus trabalhos, surge este fulano promotor a querer saber como iria eu promover o evento dele!
- Ias atuar de graça e ainda tinhas de promover o evento?!
- Os pubs, e clubs, usam a música ao vivo como pretexto para atrair até si clientes tais como os amigos, as namoradas, irmãos, amigos de amigos etc. dos músicos das bandas. E esperam que as bandas divulguem nas suas próprias redes sociais as suas atuações…até aí nada contra. Também tomei conhecimento de que havia promotores que exigiam a entrega antecipada, pela banda, de uma lista com um número mínimo de pessoas que a banda traria como “convidados” para assistir à respectiva atuação. A música é um negócio…Os promotores têm mesmo de conseguir atrair clientes senão os bares/pubs fecham por dificuldades económicas.
- O que respondeste a esse segundo promotor que depois desapareceu?
-Perante a pergunta dele em como pensava eu fazer a promoção, e desconhecendo eu que era uma pergunta recorrente nos promotores, eu revoltada com tanto trabalho meu e ainda com este trabalho extra de última da hora, argumento: “Eu quero ter a sala sempre cheia nas minhas atuações. Se eu não conseguir tal, ficarei triste. Uma boa forma de atrair clientes será talvez eu divulgar que haverá sexo ao vivo enquanto eu canto. Não serei eu a fazê-lo, será alguém convidado para tal ou, se não houver ninguém disposto a isso, direi à plateia que eu os queria ver lá e que o sexo foi apenas para os atrair.”
- Estavas a falar a sério?! Sexo ao vivo?
- Apenas estava a ser engraçada. No dia seguinte ele responde-me: “É bom saber como tu pensas.” e nunca mais deu sinal de vida.
- Tu às vezes és demasiado engraçada…
- O promotor de 7 de dezembro exigia apenas que eu não desse qualquer atuação três semanas antes e após aquela, na cidade de Londres, ou seja, um total de seis semanas. Penso que é para o artista/banda ser “novidade”! Ou seja, em seis semanas, apenas uma única atuação que seria apenas e somente, no pub dele! Eu discordava e marimbava-me para aquela cláusula. O que me preocupava seriamente, era eu estar sem banda! Entrei em stress! Odiava a atitude silenciosa e sepulcral do meu guitarrista!
- Ele possivelmente também andaria no stress dele a tentar arranjar trabalho como guitarrista, não?
- Na altura não me apercebi que ele também andaria preocupado com tal. Suponho agora que andaria a enviar curriculum a tudo quanto era escolas de música em Londres candidatando-se como professor ou, a tentar angariar mais alunos para aulas particulares. Possivelmente também estaria a enfrentar a sua própria tempestade pessoal mas, se o estava, nunca me o disse. Entretanto, os meus nervos queimavam-me a paz de espírito e a lucidez mental. Talvez o meu profundo estado de desânimo, irritação e alguma agressividade, deva ter transparecido nos emails que lhe ia enviando. O ressentimento iria acumular-se nele sem eu o saber.
- Percebeste esse ressentimento quando chegaste a Londres?
- Sim. Embora esse ressentimento viesse misturado com uma estranha altivez e uma bizarra pouca disponibilidade…Gradualmente, fui reduzida a “ninguém”.
- Porque dizes isso?
- Eu tinha bilhete de avião marcado para dia 26 de outubro e cumpria assim a promessa feita a ele de regressar a Londres, dois meses antes, na nossa despedida no metro. Enviei-lhe algumas sms aquando da minha partida no aeroporto, em Portugal, mas nem aí obtive qualquer reação dele. Mesmo assim, mantive a minha convicção de que ele ainda era meu amigo.
- És tão ingénua que até me fazes doer o coração…
- Eu cheguei a Londres às 6 h da tarde ao metropolitano "Victoria Station". Estive pelo menos quarenta minutos, ao telemóvel. Tentava falar com ele mas ninguém atendia indo a chamada, após alguns segundos, para o voice mail. Se visses o ar sofrido que ele me fez um dia, em agosto, insistindo para eu regressar a Londres enquanto atravessávamos uma passadeira de peões! Mas agora dir-se-ia que ele me empurrou passadeira fora para eu ser atropelada e esmagada!
- O que ele te fez foi lixado. Não se faz isso a ninguém. Desejo que um dia alguém lhe faça o mesmo!
- Confesso que foi de facto uma situação lixada estar numa estação de metro, em que um montão de gente se dirigia confiante para o seu destino enquanto eu, permanecia ali paralisada junto à minha mala de viajem e de telemóvel na mão, sem saber o que fazer…foi horrível!
- Não tiveste oportunidade de conhecer músicos enquanto fazias o open mic?
- A minha inexperiência nos bastidores da música levou-me a cometer o erro de no open mic não ter ficado para assistir às atuações de outros artistas e assim, travar conhecimentos. Mal terminava a minha atuação, o guitarrista quase sempre tinha de se ausentar. Eu ia com ele. E quando ele podia ficar mais tempo, eu permanecia junto a ele. Eu sou tímida mas se eu tivesse sabido o que sei hoje, teria feito um esforço para conhecer outros músicos.
- Devias ter-te esforçado…