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Capítulo 2

O SUCESSO

 - Qual o local onde mais gostaste de atuar em Londres?

- Gostei de todos. Os que estavam sempre lotados de público eram os de Camden Town. Aí as pessoas pareciam gostar de sair ao final do dia para socializar e ouvir música. Abunda a música alternativa e muita gente de estilo alternativo, na forma de se vestir, cabelo e maquilhagem.  

- Alguma peripécia engraçada que te tenha sucedido nessas atuações?

- Uma dia, dirigíamo-nos para mais um open mic e seria na artística Camden Town! Eu levava sempre comigo uma lista de possíveis locais obtidos por pesquisa na internet. Dessa lista eu tinha selecionado este para onde íamos agora mas informam-nos que não haverá open mic pois, ia haver jogo de futebol! Iria ser transmitido em direto pela televisão. Portanto, a música ao vivo foi cancelada para não perturbar o visionamento do referido jogo. Olhei para a minha lista e mesmo ao lado tínhamos um outro bar de open mic. Mas este era diferente! Só serviam comida vegetariana e sumos! Eu comecei a embirrar e a não querer inscrever-me. Ele pergunta-me porquê. Digo que gostaria de atuar ali, até porque está lotado de pessoas mas estas só bebiam água e sumos!

- E daí?!

- Foi isso o que ele me perguntou muito admirado: “Não queres atuar aqui?! Está cheio de gente! Não bebem álcool e daí?!” Então eu expliquei-lhe a minha teoria…

- A tua teoria…tens tantas queridas! Qual delas foi? Tens aquela teoria que permitiria eliminar à noite, os assaltos na rua: “É fechar a iluminação pública na rua! Os ladrões não veem no escuro e assim não podem assaltar pessoas e carros, além de que se veria melhor as estrelas no céu!” –disseste-me tu uma vez. Depois havia aquela outra: “Os canis municipais deveriam ser todos construídos ao lado de bairros habitacionais pois a comida que sobrava dos pratos de tanta gente alimentaria todos os cães e gatos abandonados daquelas redondezas”. Depois havia ainda aquela outra teoria: “Eliminar dos livros de história, da literatura e do cinema, quaisquer referências biográficas a ditadores, assassinos e outros que merecem ser esquecidos. Substituí-los por biografias de heróis, seres altruístas, seres bondosos e assim inspirar positivamente milhões de pessoas!” E havia ainda aquela teoria tua que resultou de veres os galos, na quinta dos teus pais, sempre a lutarem uns com os outros somente porque lhes apetecia: ”O cérebro deles só puxa para o conflito!” –dizias e, concluías que num espaço, ou país, onde haja uma grande concentração de elementos masculinos surgiriam disputas, lutas e desarmonia. Estou curiosa para ouvir a tua nova teoria!

- A minha teoria daquele dia, àquela hora, naquele bar era a de que, se toda aquela gente ali estivesse a beber álcool iria parecer-lhes que eu tinha cantado maravilhosamente bem e que as minhas canções eram super fantásticas! Principalmente após o terceiro copo! Com aquela gente toda a beber água, e sumos naturais, eu não tinha condições psicológicas de atuar!

- Tu és divertida! O que é que ele te respondeu?

- Ele dá uma gargalhada como se eu lhe tivesse contado uma anedota divertida. Depois olha para mim sorridente e diz que isso é falso, que eu posso atuar perfeitamente para gente sóbria, que eles iam gostar. Eu continuo birrenta! Ele decide fazer-me a vontade. Fomos para outro ponto da cidade! Quarenta e cinco minutos de metro e estávamos noutro bar. Constato no entanto que este está com pouca gente e como se não bastasse, já não dava para voltarmos atrás porque no bar de Camden Town, as inscrições já tinham encerrado. Perante a minha cara de total deceção, ele olha para mim e em tom jocoso diz: “Olha, aqueles dois ali estão a beber bastante! Parece-me que já vão no terceiro copo de cerveja…este bar serve para tu atuares?” Eu olhei-o de lado elevando a cabeça para lhe conseguir fixar os olhos, dado que ele era muito mais alto que eu, e começo a rosnar-lhe como um cão raivoso prestes a ataca-lo!

- Não gostaste de atuar naquela bar?

- Gostei. As coisas começaram a animar-se! Começaram a chegar pessoas e o ambiente começou a aquecer! Havia um tipo a ensaiar, cantarolando baixinho e sozinho, num canto do bar e de vez em quando pigarreava audivelmente, parecendo que queria aclarar a voz. Por sua vez, enquanto aguardávamos pela abertura do open mic, o guitarrista exemplificava-me todo entusiasmado, diferentes estilos de execução, na guitarra dele. O open mic iniciou-se: um grupo feminino cantava flamengo. Trajadas em estilo tradicional, faziam simultaneamente sapateado sendo acompanhadas à guitarra por elementos masculinos. Pelos traços fisionómicos, e sotaque, este grupo pareceria ser constituído talvez por ingleses. Latinos não seriam com certeza! Depois atuaram outros artistas sendo eu a quarta na lista de inscrições. O quinto era o tal que tinha estado num canto a afinar a voz. Ouviam-se aplausos. Todos nós os tínhamos antes e depois. Faziam-nos sentir bem!

- O público sabia que tu eras portuguesa?

- Sim. Logo no início da atuação eu tinha por hábito dizer que vinha de Portugal. Nas minhas primeiras apresentações eu só abri a boca para cantar: não apresentava nem a mim, nem às canções nem ao guitarrista! Os outros artistas eram o oposto: não se calavam, faziam uma longa introdução sobre as canções e diziam algumas piadas para o público sorrir. O guitarrista dizia-me: “Estás a ver? Tens de ser um pouco como eles! Tens de falar um pouco…queres que seja eu a apresentar-nos? Posso fazê-lo, não há problemas. Tens de cativar o público!” Eu retorquia-lhe  quase a refilar dizendo-lhe que as canções é que tinham de cativar o público, não eu! Mas em atuações posteriores obriguei-me a falar algo.

- Como queres ser famosa de boca calada?...O guitarrista tinha razão!

- Na segunda-feira da última semana de agosto, atuamos num bar muito concorrido no Soho e bastante reputado pela crítica da imprensa local -quer como bar, quer pelas boas condições técnicas para atuações ao vivo. Para garantir vaga na inscrição chegámos cedo dado que, o bar iria rapidamente encher de artistas e de público. Passado uma hora, estava a abarrotar! Sabes como o anfitrião nos apresentou?

- Não sei…

- Juntou o meu nome ao do guitarrista. Este, a meu pedido, era quem fazia a nossa inscrição em qualquer open mic. Mas os anfitriões nunca conseguiam dizer o meu sobrenome “Artemis” ao público e então o guitarrista, passou a inscrever-me somente como “Ninfa”. O guitarrista tinha as iniciais KAL e o anfitrião apresenta-nos como “Ninfa KAL” mas aponta para o guitarrista e não para mim! Eu sorri. Nessa noite tratei-o por “Ninfa KAL”. Eu cantava sempre de pé e ele ao meu lado, sentado numa cadeira com a guitarra.

- Correu bem a atuação no Soho?

- Sim, correu muito bem! Fiz a minha apresentação: “H-E-L-L-O!” Soletrei para o anfitrião testar o nível de som. A audiência achou graça àquele “hello”, não percebendo que eu estaria a fazer o teste de som e respondem de volta com um “HELLO!” efusivo batendo palmas calorosamente! Eu toda contente prossigo: “Sou uma má cantora!” Fez-se um silêncio sepulcral. O guitarrista mesmo colado a mim roda a cabeça na minha direção para se fixar em mim e sorri surpreendido: ela está a falar com o público?! Perante aquele silêncio sepulcral eu penso: “Era só para vocês se rirem, não sou tão má cantora assim! Ninfa, tramaste-te!” Depois digo-lhes: “Tive um mau dia! Estou triste!” E o público todo em uníssono solidário: “Ooooh!” Como quem diz: “A sério?! Esperemos que não seja nada de grave! Esperemos que tudo se resolva!” E logo arrematei: “Vamos divertir-nos?” e cantei na abertura a canção Times, a tal que no final pergunta: “Queres fazer no chão, no duche ou num porshe?” De imediato a audiência responde: “Queremos fazer sexo no duche!”. Eu sorrio-lhes.

- Eu diria como eles: “Sexo no duche”! Mas depois quereria andar no porshe!

- Antes da minha entrada, tinha atuado um artista, talvez com 20 anos de idade. No seu teclado cantou uma letra da sua autoria que atestava que um dia seremos velhos, muito velhos, muito doentes. Aí os dias parecerão infinitos, tristes e sentiremos que a morte nos ronda. Sendo a frase “a morte quer-nos comer” parte do refrão que ele cantava de forma lenta, mesmo lenta; ele próprio parecia que estava a morrer e os dedos encravados nas teclas do piano em notas mais tristes: a morte quer-nos comer…comer...

- Depois apareces tu e a audiência adorou! “Sexo no duche”! Porque é que lhes disseste que tinhas tido um mau dia e que estavas triste?

- Após essa atuação eu teria somente mais dois de open mic: terça e quarta-feira. Na quinta-feira às 9h da manhã, eu regressaria a Portugal para o meu emprego e o guitarrista, quatro antes, às 5h, arrancaria de avião com a sua banda para a Suécia. Mas hoje era segunda-feira, ainda estávamos juntos. Eu gostava de estar com ele. A minha mente não aceitava bem essa realidade da separação, nem sequer sabia o que fazer com tanta realidade após a minha saída de Londres: isolada em Portugal a tentar formar uma banda londrina! A minha mente encontrava-se exausta de lutas! Os esforços para eu alcançar um mundo, que talvez me fizesse feliz, não estavam a ser fáceis. A minha mente merecia, e precisava, descansar um pouco, precisava ir para o mundo dos sonhos! Ela temia novos planos de luta e esforços que a poderiam levar à exaustão. Ela que nem tempo teve para descansar! “Não me stresses com mais coisas chatas da realidade, ok? Estou farta de trabalhar! Preciso de férias!” –afirmava a minha mente. Eu tentava-a poupar o mais que podia evitando pensar no dia de amanhã.

- Tu a falar assim pareces um anjinho cansado que precisa de miminhos…

- Quarta-feira às 23h, sem eu o saber, tudo estaria terminado. Nada voltaria a ser como antes. Após esse mês de agosto muitos eventos suceder-se-iam em cascata, como se um demónio invejoso tivesse saído do inferno possuindo todas as almas dos seres, de quem eu dependia e confiava e, tudo sabotasse! Tudo foi reduzido a cinzas! Restei apenas eu. Esse demónio fez-me reconhecer a pobreza da alma em alguns. Esse demónio fez-me também ver os meus pontos fracos…Golpeou-me até eu ficar prostrada no chão, cheia de dores. Esse demónio pretendia ensinar-me a resistência emocional e mental, com golpes técnicos mesquinhos cheias de ego.

- Porque não tentaste arranjar emprego em Londres e mudares-te para lá?

- Na minha profissão duvido que houvessem vagas. Também pesa o dinheiro que devo ao estúdio: tenho de honrar o compromisso e pagar, não posso andar por aí a arriscar no incerto.

- Sê sempre otimista! O pessimismo só traz azar! Então estavas triste por teres só mais dois open mic além daquela segunda-feira, não é? 

- Sim. O guitarrista naquela segunda-feira, insistiu novamente numa questão de há dias atrás, enquanto passeávamos nas ruas à noite esperando que chegasse a nossa hora de atuação. Estávamos num pequeno parque ali perto cheio de bancos de jardim. Ele pergunta-me o que pensava eu fazer: se eu iria regressar. Na minha mente a resposta era um enorme SIM! No entanto optei pelo pessimismo porque eu não queria desiludi-lo, caso as coisas corressem mal.

- O que é que te disse agora mesmo? O pessimismo só traz azar! Não o quiseste desiludir?! Coitadinho dele…o tal que depois te deixou para trás.

- Eu para o animar digo-lhe umas coisas bonitas e faço-lhe vaticínios. Digo-lhe que que um dia ele irá trabalhar em Nova Iorque; que irá ter dinheiro para o carro e a casa de sonho da vida dele; e até uma mulher de sonho de mamas grandes! Ele sorri. Ele por sua vez, diz-me que eu também posso conseguir tudo aquilo que eu quiser. Que na música a idade não importa, que havia em Londres bandas a atuarem com elementos de idades diversas. Diz-me que eu tenho de regressar a Londres e formar uma banda londrina! Ele pega numa lata de cerveja que lhe tinha oferecido, mete-a na manga, eleva o braço no ar como se fosse uma mangueira, bebe através de uma pequena abertura da manga com a cerveja oculta e diz: “Estás a ver? Há solução para tudo!”

- Para quê tanta complicação só para beber uma simples lata de cerveja?!

- Um polícia fazia a ronda a pé ali perto, podia multa-lo por estar a beber álcool num espaço público. Ele insiste: “Tu vais voltar, vais formar uma banda e vais atuar!” Eu opto pelo pessimismo e respondo: “Segue a tua vida e esquece-me!”. Dizer aquilo doeu-me. Fico com um semblante sombrio e triste e, afasto-me dele sentando-me no extremo oposto do banco comprido onde ambos estávamos sentados. Quase que caio por mais de metade do meu traseiro já estar sem apoio de tão no extremo que me sentei!

- Tu e o teu drama…e as tuas peripécias divertidas!

- Ele roda todo o seu corpo na minha direção e com os dedos, esforça o elevar dos seus cantos dos lábios simulando um sorriso e diz-me: “Hey…sorri!”

- Se ele estava a ser simpático contigo porque foste antipática com ele dizendo-lhe para seguir a vida dele e esquecer-te?!

- Disse-o sem pensar…eu não queria que ele sofresse caso eu não conseguisse formar banda… sei lá! Como te disse: foi o medo. Fomos fazer a tal atuação e no final da mesma, ele diz-me todo entusiasmado: “Estás a ficar melhor! Já te estás a ficar mais à vontade e a falar com o público! A atuação foi Ok!”. O anfitrião no final da atuação, bem como pessoas por entre o público quando circulávamos no bar para buscar uma bebida, diziam-nos: “Good job guys!” (“Bom trabalho malta!”). Já tínhamos ouvido isso em outros locais!

- Estavas a ser um sucesso!

- Na minha apresentação, eu nunca dizia que eu era a autora única das letras e da linha melódica que eles acabavam de ouvir. A audiência, presumo eu, deduzia que eu e o guitarrista éramos uma dupla a fazer canções.

- Estava a correr tudo bem para ti, para quê o pessimismo para com ele?!

- Ok! No futuro manter a calma, garantir estabilidade e transmitir otimismo para ter as coisas em bom andamento. O dia seguinte, a essa atuação no Soho, foi engraçado!

- O que sucedeu?

- Íamos uma vez mais, para mais uma atuação. Mas ao tentar fazer a marcação às 6 da tarde, vimos que apesar de termos chegado pontualmente, já havia muitos artistas em fila para o mesmo e constatámos, pela informação dada pelo promotor, que iríamos atuar a uma hora tardia para o guitarrista: 10h da noite. A banda que ia para a Suécia iria dar início ao ensaio às 9.30h da noite. Ele ficou ansioso porque àquela hora não poderia estar simultaneamente comigo e no ensaio com a banda! Eu liberto-o dizendo-lhe que a minha atuação fica cancelada e que ele irá fazer o ensaio com a banda. O bar da recém atuação cancelada, era pequeno, acolhedor, muito rústico, tipo taverna à moda antiga: balcão em madeira não envernizada e grandes mesas retangulares em madeira onde se poderiam sentar umas vinte pessoas. O promotor era o mesmo daquela atuação do grupo de flamenco. Sabias que ele ainda se lembrava do meu nome e do nome do guitarrista?! Fiquei tão contente: o promotor lembrava-se!

- Claro que se lembrava de ti! Qual foi a coisa engraçada que sucedeu nesse dia?

- Como tínhamos ainda tempo, fomos para um enorme parque arborizado em Camden Town. E foi lá que sucedeu uma coisa…

- Estava um casal a fazer sexo no parque? Ou alguma orgia?

- Acho que não…ainda era de dia. Estava o guitarrista deitado na relva a comer um pacote de bolachas com recheio de cereja e a beber cerveja preta de lata -ambos oferecidos por mim, quando me pergunta: “O que farias tu se tivesses muito dinheiro?” Respondo-lhe que contrataria uma banda de excelentes músicos e atuaria o mais possível em Londres para adquirir experiência; batalharia por bons arranjos para as canções em palco e depois, agendaria atuações nos EUA, Europa e outros locais do mundo.

- E ele o que faria?

- “E tu?”- pergunto-lhe eu. Ele responde: “Comprava uma casa com vista para o mar, montava um bom estúdio de gravação e muitas praias.”

- Praias?!

- Eu fico confusa pois percebi “beaches” (praias) depois, pela forma dele beber a cerveja olhando todo satisfeito para o horizonte, percebi que afinal eram “bitches”(putas).

- Que grande amigo que tu tinhas…

- Eu relatei-lhe que eu fazia, com alguma frequência, natação e que no balneário via em média trinta mulheres nuas por dia; que eu estava farta de ver tantas mamas, pelos púbicos e rabos no duche! Sabes o que ele responde?

- Para mim isso é céu?

- Sim, acertaste. Eu conto-lhe uma curiosidade: que uma vez ao comprar um creme antitranspirante, este indicava poder ser usado nas axilas e também nas pregas mamárias! Pergunto-lhe se ele sabia que era possível as mulheres, que têm mamas grandes, transpirar por debaixo delas e aí cheirar mal? Depois pensei que eu não tinha mamas grandes!

- As tuas mamas são ok…e depois o que se passou?

- Levanto-me e pego na lata de cerveja dele, agora vazia. Ele continua deitado na relva. Adivinhando o que eu ia fazer diz-me: “Atira-me a lata de cerveja!” Atirei-lhe na direção dos pés para ele pontapear como se estivesse a jogar futebol! Ele deitado, pontapeava, eu apanhava a lata do chão, eu atirava, ele pontapeava outra vez, eu apanhava a lata do chão, eu atirava: “Que diabo de ginástica fui eu arranjar para mim!”-pensei. Ele estava todo entretido a chutar a lata mas à vigésima vez, qualquer coisa na minha expressão e ele chuta a lata mesmo em cheio, para dentro do meu saco de onde momentos antes eu tinha retirado a cerveja e, as bolachas com recheio de cereja agora todas comidas por ele. Ele sorri-me todo divertido! Tinha feito golo!

- Vocês os dois eram divertidos…

- Digo-lhe que são horas de irmos apanhar o metro, para que ele possa fazer o tal ensaio com a sua banda que partirá em breve para a atuação na Suécia. Ele não quer levantar-se e faz uma expressão preguiçosa como quem não quer sair da cama de manhã cedo. Eu insisto, ele sorri. Fomos embora para a estação de metro.

- Vocês os dois faziam um par interessante…

- Sim, como amigos. Finalmente no último dia, quarta-feira, atuo num local fantástico! Era “jam session”. Fiquei a saber o que isso era! A banda residente acompanha qualquer artista mesmo sem conhecer previamente os temas: recorre à improvisação!

-Têm de ser bons músicos, correto?

-Dadas as circunstâncias convém que o sejam. Foi a minha primeira atuação com uma banda ao vivo! De manhã, eu tinha dado um jeito ao cabelo e feito franja, estando agora a atuar de cabelo solto e baton vermelho berrante. Na “jam session” o primeiro a atuar foi um australiano dos seus cinquenta anos que estando de visita a uns amigos em Londres, aproveitou para passar pelo bar e cantar. Acompanhado da banda residente, ele tocou guitarra e cantou algo, que era uma mistura de música country com blues, da sua autoria. Depois em seguida atuou um solitário que eu tinha visto em quase todos os open mic por onde tinha passado. Ele aparecia sozinho, raramente o via a dirigir palavra a alguém e após a sua atuação, costumava ficar no local a ver os outros participantes. Eu quase sempre tinha de vir embora por o guitarrista ter coisas a fazer: ou era para trabalhar na sua tese ou, para os ensaios com a banda que ia à Suécia ou, para a sua outra banda de heavy metal ou ainda, para as suas aulas particulares em que leccionava guitarra.

- Não gostei do que ele te fez após o mês de agosto…

- Deixa lá…foi melhor assim. Sabes que durante esta minha última atuação, o tal australiano, pegou no telemóvel, aproximou-se de mim, da banda e tirou-me algumas fotos?! Senti-me uma vedeta! No final, um dos elementos da banda disse: “You are fucking good, you must come back!” (Vocês são estupendamente bons! Têm de voltar!” Mais uma vez, pensavam que eu e o guitarrista formávamos uma dupla de canções!

- É assim que tens que te sentir sempre: uma vedeta!

- A atuação tinha terminado e o guitarrista aguardava-me já fora do bar, junto à porta. Eu tinha ficado retida para trás: o anfitrião e algumas pessoas estavam-me a desejar boa viagem de regresso a Portugal pois, eu tinha referenciado tal na minha apresentação. Teciam também elogios à atuação. O guitarrista observava os comentários sorrindo e parecia estar orgulhoso. Ele fumava descontraidamente um cigarro de um maço que eu lhe tinha oferecido horas antes. Na semana anterior tinha-me pedido para eu “cravar” um cigarro a transeuntes da rua que estivessem a fumar. Um desses transeuntes, fez expressão facial de quem amaldiçoasse o facto de estar a fumar em público: havia sempre algum pobretana  desavergonhado a pedinchar um cigarro! Os cigarros lá são caros, sabias?

- Sim…em Portugal devem ser de facto mais baratos…

- No dia a seguir o guitarrista ambicionava outro cigarro pelo mesmo processo. Recusei sujeitar-me a outra expressão facial igual à do dia anterior, de outro transeunte. Como era o nosso último open mic levei-lhe, como lembrança, três maços de cigarros. Ele raramente fumava: “Espero não ficar viciado em cigarros após estes três maços!” – diz-me ele todo bem disposto. Finalmente estou fora do bar e ele diz-me com um sorriso fantástico: “O baton fica-te bem. Estás a melhorar, estás a ver? Deste um ar de rockeira com a banda…Muito bem! Tens de regressar a Londres!”

- E tu de facto voltaste a Londres!

- Sim, voltei. No entanto, o meu guitarrista estava diferente para comigo e começamos a causar estragos um ao outro. Mas voltando àquela última atuação de open mic em que tudo era um mar de pétalas de rosas: pusemo-nos a caminhar até à estação de metro e eu abrindo os braços entusiasticamente afirmo bem alto: “Daqui em diante, vai ser sempre a subir! A subir até ao topo!” Ele sorri mas desta vez com ar pensativo e diz-me: “Chegar ao topo não é de um dia para o outro, não é fácil, demora tempo...” Eu ignoro o aviso dele, e continuava a caminhar de braços abertos como que pronta a receber todas as coisas boas que o mundo me iria dar! Eu sentia-me bem!

- É assim que eu quero que sejas: sempre auto confiante e otimista!

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