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Capítulo 2

O PARANORMAL

- O teu problema, desde o início, foi teres dado muita importância a este fulano e começaste a te descontrolar por ele não estar a corresponder às tuas expectativas que tinhas sobre ele. 

- Arranjo força mental para continuar a falar com ele e lhe perguntar se está tudo bem com ele e com as bandas às quais ele pertence: se tem tido muitas atuações etc. Ele encolhe os ombros como se a vida andasse um pouco tediosa e diz que sim. Depois devolve-me a pergunta: “E contigo? Como vão as coisas?” Eu digo que não iam bem, que eu não tinha futuro.

- Porque é que não tinhas futuro?

- O meu inglês não foi claro. Eu queria ter dito que não sabia para onde eu caminhava pois achava que tudo iria ruir, que um dia as minhas poupanças iriam esgotar-se e que não poderia viajar até Londres, que o meu horário laboral poderia sofrer alterações e atrapalhar as minhas atuações…etc! No entanto, saiu-me aquele: “Eu não tenho futuro!”.

- O que é que ele disse?

- “Se tu vieres a Londres, eu ficarei feliz em tocar guitarra nas tuas atuações. Eu gosto da banda”. Mas logo em seguida diz-me para eu não me zangar se ele por vezes não puder comparecer pois atualmente dava aulas particulares individuais a dez alunos repartidos por vários dias e horários diferentes. Mas ele estava a mentir.

- Porquê? Não tinha os 10 alunos?

- Acho que os tinha. Mentia nas razões da não comparência para atuar comigo: seria por sobreposição de agenda com as suas outras duas bandas ou, de outras às quais viesse a pertencer no futuro. As outras bandas teriam prioridade sobre mim e eu já há muito que antevira isso. Penso que ele não me quis magoar dizendo-mo na cara e deu-me essa desculpa das aulas particulares. Eu respondo-lhe que far-se-á então uma substituição. Ele faz outra vez com a mão o sinal stop de há pouco e argumenta que se eu o avisar com um mês de antecedência sobre eventuais atuações minhas, ele conseguirá dar um jeito à sua agenda. Mas logo em seguida fica muito sério e o corpo reclina-se-lhe para trás como se o rosto estivesse perante chamas que o queimassem -não sei se ele conjecturou, e cismou, que eu estava a falar de substituição permanente quando na verdade referia-me a substituição provisória para as vezes que ele não pudesse comparecer.

- Porque não desfizeste o equívoco?

-A minha cabeça parecia oca devido à sonolência -tinha dormido poucas horas e mal, além de me sentir sem força física. Não conseguia raciocinar direito. Aliás, na altura nem sequer me apercebi que talvez eu tivesse criado um equívoco.

- Ou talvez ele fosse paranóico ou talvez isto ou talvez aquilo…já não vale a pena pensar nisso.

- Ele afasta-se e a dada altura vejo que, enquanto os outros elementos da banda estão num sítio qualquer a conversar, ele está sozinho sentado numa cadeira, de semblante sombrio a observar uns homens a jogar bilhar. Vejo a porta para a cave a abrir-se e os artistas presentes no pub a descerem para a mesma, para darem início ao teste de som. Finalmente o teste de som! Eu que continuava sozinha em pé junto à mesma coluna do bar há já duas horas também desço para a cave. Fico lívida, sem sangue no corpo, quando me deparo com o palco. Como irá caber ali uma banda?

- O palco era pequeno?

- Era quase inexistente! Os elementos da banda mantêm a calma e falam com o promotor para tentarem perceber a melhor distribuição dos vários elementos num espaço onde não cabemos. O palco é no chão entre duas paredes logo seguido de um degrau em pedra. Portanto cabem o baterista e o baixista no palco. Eu ficarei mais à frente em cima do degrau e um de cada lado, fora do degrau, os guitarristas. O meu amigo “open mic” iria atuar do meu lado esquerdo, hábito que ficara de agosto. Eu não estava nada satisfeita com aquela pequenez de palco e de mão na testa, a pensar que mais me iria suceder naquele dia, viro-me para o meu guitarrista e digo indignada: “Open mic de agosto volta! As condições eram melhores e havia muito público!” Ele olha para mim e comprime os lábios como quem diz que não adianta lamentar-me, que temos de nos adaptar! A banda constata que o pub só dispõe de um pedal para guitarra elétrica. São precisos dois pois são duas guitarras elétricas. O outo guitarrista oferece-se para ir buscar um pedal indo à sua própria casa pois, o meu amigo “open mic” vive bastante longe daquele bar. Em compensação, dá-lhe o seu próprio cartão de transporte para a viagem no metro.

- E depois do teste de som o que fizeram?

- Voltámos a subir para o piso superior e fico sozinha em pé junto à mesma coluna de há instantes. A banda anda algures por aí no pub. Um tipo de viola na mão aborda-me e pergunta-me se eu sou a cantora cabeça de cartaz. Eu digo que sim de forma insegura e sorrio-lhe mas, fico calada. Ele pensa que eu quero estar só, deseja-me tudo de bom para a atuação e afasta-se. Estou junto à coluna há tanto tempo que acho que o calor do meu corpo em breve a derreterá, eu cairei e ficarei a dormir no chão. Estava cheia de sono e triste. Estava a ter um dia cansativo. O baterista diz-me que as atuações vão finalmente ter início. A porta para a cave abre-se novamente e todos nós, público e artistas, descemos pelas escadas. A banda senta-se numa mesa mas eu sento-me sozinha no último degrau das escadas para a cave, onde ficarei até às 11h da noite.  São 8.40h da noite. As atuações têm início. Aquilo parece um open mic uma vez que, abundam as versões acústicas e cada artista é acompanhado somente pela sua viola cantando temas da sua autoria. Quando penso que não verei bandas a atuar ali além da minha, entra uma constituída por vários elementos: guitarristas e um teclista, mas nenhum baterista. Próximo da minha hora de atuação, muita gente começa a ir embora. Peço a uma adolescente que fora ali festejar o seu aniversário, para ela e o seu vasto grupo de amigos ficarem um pouco mais pois iria haver rock: que eu iria atuar em breve. Ela lamentando-se diz que todos eles têm o problema do horário do transporte público. Tomo consciência que eu e a banda também temos esse problema, fechando a estação de metro à meia-noite.

- Como correu a tua atuação?

- Às onze horas da noite eu era um zombie. Eu queria dormir! Eu queria fugir deste pub agora com poucas pessoas. Na atuação esqueci uma parte da letra de uma canção. O baterista atrapalhou-se com a minha atrapalhação e começou a acelerar a bateria. O meu amigo open mic, horas antes da atuação, fizera o mesmo que na sala de ensaio da semana passada: perguntara ao outro guitarrista os tempos de entrada e mais umas coisas. Percebi que não se tinha preparado em casa e ali estava ele em palco a dar apenas algumas notas de acompanhamento nos temas que não eram do “open mic”, caindo muito da responsabilidade da guitarra sob o outro. O promotor a dada altura irrompe para junto do meu amigo “open mic” e diz para ele tocar as notas de forma mais enfática –estávamos no último tema “Times”. Momentos atrás, quando eu me esquecera de uma parte da letra de “Slightly Myself” versão rock, o promotor aproveitara a transição para a próxima canção para irromper para junto da banda e dizer que o que importa é que nós estejamos a divertir-nos e, bate palmas efusivamente!

-Estava a tentar dar-vos apoio?

-Sim. Mas eu estava desolada comigo mesma. Eu trabalhara para ter um bom desempenho e aquela atuação parecia-me interminável! Comecei a sentir as costas totalmente encharcadas de suor sentindo gotas dele a rolarem abundantemente pela coluna vertebral. Nem no Egipto anos antes, quando visitara o deserto quente, transpirara desta maneira!

- Tens de parar de ser ansiosa. Nem que vejas tudo a reduzir-se a cinzas em teu redor, sorri! O mundo não quer os nossos problemas mas o nosso sorriso!

- No fim, o promotor ajuda a banda a arrumar a bateria do palco e amplificadores. Ele aproxima-se de mim ao ver que eu estava circunspecta e sombria. Segura-me a mão e diz-me para eu sorrir. Horas antes ele havia olhado para mim pensativamente e dito: “You have the look!” (Eu tinha o visual certo ou algo…–penso que se referia  a isso). Eu sorri-lhe e ponderei que talvez o efeito das luzes, juntamente com alguns copos de cerveja que ele tenha bebido e os meus genes, disfarçassem que eu tinha quase o dobro da idade dos elementos da banda.

- O que interessa é a tua atitude perante a vida! É isso que dita a tua diferença. A atuação acabou e depois como foi?

- À saída do pub faço o pagamento a cada um dos quatro músicos da banda. O meu amigo “open mic” diz aos outros para usarmos, como transporte, o comboio à superfície, o “overgound”. Eu fico surpreendida pois em agosto ele nunca o apanhara para ir para casa além de que, eu teria mesmo de usar o metro para o hotel!

- Ele quereria dormir em casa da namorada?

- Ele em agosto não tinha namorada mas agora suponho que ele andasse com a filipina de mamas grandes. Na cave, enquanto aguardávamos pela nossa vez de atuação, ele olhava para mim com regularidade, estando eu junto aos degraus. Eu ficava contente com o olhar dele. Significava que ele mantinha ainda algum vínculo afetivo comigo. Mas eu em vez de lhe sorrir, bocejava! Apetecia-me chateá-lo.

- Vocês os dois…eram engraçados.

- Voltando ao espaço exterior fora do bar após a atuação: os outros discordam dele e dizem que irão para a estação de metro, para o “underground”. Ele permanecesse connosco e pomo-nos todos a caminhar em direcção ao metro. Vou ao meu saco e constato que ainda me sobraram sandes. Distribuo-as por eles, exeto pelo outro guitarrista que parece que se alimenta de ar: recusa a oferta de sandes. Antes da atuação, ainda na cave do pub, o meu amigo open mic tinha-me pedido uma sandes porque estava com fome. Dei-lha sobrando ainda algumas. Agora perto da meia-noite atravessámos um enorme parque verdejante cheio de árvores, em direção à estação de metro. Caminho ligeiramente à frente deles e eis-me que ao deitar umas embalagens plásticas vazias, que antes encapsulavam sandes, a um caixote do lixo no parque sai-me uma frase vinda não sei de onde! Não a premeditei e nem sequer tinha perdido tempo a matutar nela!

- Qual foi essa frase?

- “É esta a última vez que vocês veem a minha cara! Vocês não precisam de mim para nada! Vocês têm as vossas próprias bandas!” –disse-o enfaticamente atirando com veemência as várias embalagens vazias para dentro do caixote do lixo. Sinceramente não sei como fui capaz de abrir a boca e dizer aquilo se, eu tanto precisava deles para fazer atuações em Londres! Juro que não sei como fui dizer aquilo!

- Olha, foi obra do destino! Foi melhor assim…não precisas daquela banda.

- Após aquela minha frase explosiva, eles que caminhavam e conversavam descontraidamente, fizeram um silêncio tal que tornava toda a noite audível no vasto parque. Passados alguns segundos de silêncio sepulcral, retomam a conversa como se eu nada tivesse dito. Nas proximidades da estação de metro, o meu amigo “open mic” começa a dizer aos outros que eu, em agosto, também dizia umas coisas sem sentido mas que acabara por regressar a Londres e ouço-os em coro, instigados por ele, a perguntarem-me: “Ninfa, Ninfa! Como te sentes?”.

- O teu amigo quando queria sabia ser divertido.

- Sim é verdade, ele tinha senso de humor. Chegamos à estação de metro. Entro para o comboio e este faz uma coisa que eu nunca vira fazer antes! Não se põe em marcha e ali continua de portas abertas parecendo estar à espera que algo suceda! Eu estava sentada de frente para a plataforma tornando-me as janelas visível aos músicos que permaneceram no exterior, indo eles para outros destinos.

- Como te estavas a sentir agora que te ias despedir deles?

- Estava triste…parecia que eu tinha paralisia facial: apática e incapaz de sorrir. Não vislumbro os outros elementos da banda, apenas o guitarrista “open mic” que, embora de costas para mim, roda a cabeça na minha direcção e faz-me uma cara sorridente, imitando-me num trejeito para me fazer sorrir. Vendo que eu não reajo vira-me as costas ofendido. O comboio faz barulho junto aos carris como um dragão a fumegar, sendo esse o sinal de que se vai pôr em marcha! Vejo o baterista e o baixista aproximarem-se da janela em frente a mim para me dizerem adeus. Mas o comboio não arranca! Continua parado! Tantas foram as vezes que eu entrara a correr porque se punha quase de imediato em andamento, não aguardando por ninguém mas hoje, ele aguardava pelo meu destino e pela gravação.

- Gravação?

- Sim. Esta cena de despedida ficaria gravada na minha mente e na deles. A cena que eu gravei deu-me forças para eu procurar junto aos promotores novas atuações em Londres; o que eles gravaram deu-lhes coragem para serem sacanas. O destino certificou-se duplamente: se eu me tivesse safado ilesa daquela minha afirmação no parque, não sairia ilesa desta minha cara não sorridente na despedida. Eles não mo iriam perdoar. Para mim, a minha expressão de apatia significava exaustão extrema, para eles talvez significasse que eu não gostasse deles. Eu sentada de frente para a plataforma conseguia vê-los agora a todos: o baixista dizia-me adeus -momentos antes, enquanto caminhávamos pelos túneis da estação até à minha plataforma com destino ao meu hotel, afirmara que a atuação não tinha corrido assim tão mal, que não havia razões para eu não voltar. O baterista com a mão no ar também me dizia adeus -acredito que tenha feito de tudo para me ajudar; talvez por isso se sentisse incomodado com a minha cara de apatia e interrogar-se-ia se eu o culpabilizaria de algo pois, tentava esboçar um sorriso que lhe saía tímido por eu não estar a expressar qualquer afeto. O guitarrista “open mic” instantes antes, ainda caminhando em direção à estação, dissera que a minha atuação correra muito melhor que a do ensaio da semana anterior, que eu tinha melhorado bastante! Vejo-o a dizer-me adeus em tom trocista abanando a mão em modo limpa para-brisas, de forma compassada e sorri de forma igualmente trocista como quem diz: “Eu conheço essas tuas cenas…tu vais voltar!”

- Tu és divertida a contar os teus dramas, sabias?

- Sou? Talvez seja. Queres ouvir outra cena engraçada? No parque quando digo aquela frase suicida, de que eles não voltarão mais a ver a minha cara, aparece subitamente uma raposa, mesmo à minha frente, a caminhar de forma bamboleante maneando as ancas a trote que nem uma fulana vaidosa!

- Viste uma raposa?!

- Sim! A raposa continuou a caminhar à minha frente mesmo quando deixo o parque e vou no passeio, e ela também, junto à estrada onde circulam alguns automóveis! Nunca vira uma raposa no campo onde vivo em Portugal e vejo agora uma em Londres! A mim sucedem-me coisas estranhas!

- Às anjinhas como tu, sucedem sempre coisas fenomenais!

- Chego a Portugal no sábado, início da tarde. Era inverno mas estava um belo dia de sol. Porque eu estava triste preferiria que estivesse a chover. Quilómetros antes de chegar a casa sou bloqueada e impedida de prosseguir viagem: uma hora parada no trânsito. O trânsito foi interrompido -estava a decorrer uma procissão religiosa com andores!

- Uma procissão religiosa?

 -É verdade! Eu digo: “Não acredito no que estou a ver!” Eu tinha saído de Londres deprimida e evitava a todo o custo pensar. Para tal conduzira com a música bem alta. Momentos antes, tinha dormido toda a viagem no avião para não pensar na minha vida. Mas agora, ali estava eu retida com muito tempo para pensar! Não queria pensar e não pensei! Apenas me pus a refilar contra o destino pois a minha vida não estava bem. Fartei-me de refilar e enquanto o fiz, mantive as portas do carro aberto ouvindo a música bem alta no rádio ainda com a procissão religiosa a decorrer mais adiante. O sol incidia em demasia no carro e os monótonos cânticos religiosos da procissão estavam a incidir-me nos nervos. Com tanta gente no mundo porque é que as pessoas não se ajudam umas às outras? A religião é isso: ajuda ao próximo, não é? 

- Deixa-te de idealismos, se queres viver melhor neste mundo mundano!

- Passados 16 dias é véspera de natal e aí expresso, por sms, os meus votos de festas felizes ao meu amigo “open mic” e ao baterista. Dos outros dois músicos não tinha contacto algum -nem telefone nem email pois tinha sido o baterista que os tinha recrutado. A sms também informava que eu iria começar a procurar novas atuações em Londres. Ninguém me devolve sms. O natal vem, o ano novo também e eles, permanecem silenciosos não me desejando nada de bom.

- Não desconfiaste de que eles se tinham ido embora?

- Pois…de facto sou mesmo ingénua. No dia a seguir ao Natal faço pesquisas na internet e candidato-me para novas atuações perante promotores vários. Um deles consulta o meu website e via email, a 2 de janeiro, dá-me, segundo palavras do próprio, os parabéns pela minha dedicação e contributo à música cedendo-me quatro atuações em Londres, em pontos diferentes da cidade. Uma promotora portuguesa, a trabalhar e a residir em Londres, oferece-me também uma atuação num pub em “Camden Town”. Cinco atuações repartidas por janeiro e fevereiro! Eu estava feliz! Nesse mesmo dia, toda bem disposta, transmito por email a informação relativa às atuações, ao meu amigo “open mic” e ao baterista. No dia seguinte o baterista responde. Eu que confiava nele, tive de reler o seu email várias vezes não acreditando no que lia.

- O que dizia ele?

- “Já não tenho mais tempo para ti. Foi bom, nós e tu, termos trabalhado juntos. Foi bom em termos de experiência. Como disseste que não vinhas mais a Londres arranjei um novo empregador. Boa sorte!” Envio-lhe um email perguntando-lhe se ele estava a falar a sério ou a querer pregar-me um susto. Peço-lhe para ele reconsiderar a sua decisão pois eram cinco atuações agendadas, tendo eu inclusive já comprado os bilhetes de avião. Ele continua a afirmar que não tem tempo, que a única coisa que poderá fazer por mim é perguntar aos restantes elementos da banda se eles continuam disponíveis mas, mais que isto não podia fazer.

- Telefonaste-lhe?

- Sim. Diz-me que está de férias em França, que a universidade em janeiro interrompia as aulas por um mês. Sem eu sugerir, diz que não poderá arranjar-me músicos e ba-ba-ba-terista também não -ele não conseguia dizer a palavra “baterista”. Até parecia ser-lhe custoso deixar-me. Sei lá. Peço-lhe para, por favor, perguntar aos músicos restantes sobre a disponibilidade deles. Ele responde que os irá contactar a todos via email. Pergunto-lhe se ele tem tido notícias do meu guitarrista. Ele diz que desde aquele 7 de dezembro que nunca mais falou com ele.

- Eles não eram amigos?

- Sim eram mas, não muito chegados, diria antes conhecidos.

- Aposto que decidiste consultar, o teu amigo tarologo!

- Sim. Nesse mesmo dia em que o baterista me informa não estar mais disponível, percebo de imediato que a banda está desmembrada e peço ao tarologo uma consulta para ver se me acalmo. Ao telefone ele é antipático e vê-se que é contrafeito que se dispõe a marcar-me a tal consulta – penso que se sentia inseguro, talvez eu tivesse mais fé nele que ele próprio. Percebi que eu tinha de parar com esta mania de consultar videntes ou tarologos.

- Concordo!

- Ele replica que tem de ver a agenda dele. Mais tarde, por sms, sem se preocupar em saber se eu posso, informa-me: “Se puderes, amanhã 17.30h.” Nem sugere outra hora ou dia opcional. Consegui comparecer à hora marcada. Ele tinha como profissão principal a Informática. Era engenheiro.

- Um tipo da informática que lê o futuro? Era ele que te ia renovar a esperança?!

- Eu sei que parece absurdo…mas eu estava perto de um colapso mental. Eu tinha depositado todas as minhas esperanças e todo o meu projeto de vida, na música. A música, pensava eu, seria o meu passaporte para um novo mundo…Que iria eu fazer agora com a minha vida? Formar uma nova banda é difícil, moroso e eu já estava saturada de ansiedades. O ano novo começara péssimo e eu precisava ter esperança!

- As ansiedades estão na tua cabeça!

- Eu não estava a conseguir evitar o pânico. Eu tinha conseguido recuperar o ânimo desde a minha última estada em Londres mas agora sentia-me perdida! Sabias que no dia da minha partida, 8 de dezembro, sábado de manhã no aeroporto, eu na casa de banho desatei a chorar compulsivamente sem razão aparente? Em pé, com as calças em baixo, e ainda com as cuecas vestidas, comecei a olhar para a sanita, para as paredes do compartimento estreito do WC, para o teto, para a minha mala de viagem, para as minhas calças no chão, e não sei que associação de ideias fiz, tive uma crise de choro! Com um lenço sufoquei os soluços para não ser audível no exterior do compartimento. Após a saída do WC fui para a fila para o check in e sucedeu uma coisa engraçada!

- O que sucedeu?

- No “check in” a mala de um casal apita na deteção de metais constatando-se na inspecção, que afinal era um vibrador de plástico que conservava ainda as pilhas!

- Essa cena é forte! O que viu o tarólogo nas cartas no início do ano novo quando o consultaste?

- A mim preocupava-me saber, se apesar de ter perdido o baterista, se os restantes elementos permaneceriam pois estava a aguardar uma resposta por email.

- Não sei porque simplesmente não aguardaste pela resposta!

- Talvez eu pensasse que se as minhas incertezas fossem sanadas, sabendo eu o futuro, não sofreria com o embate da verdade quando chegasse a hora! Saiu às de paus. O tarólogo encolhe os ombros e solta-os em seguida, como se a carta tivesse dado uma resposta idiota cujo significado nem se dará ao incómodo de desvendar. Diz que que a carta representa trabalho e esquiva-se a responder à minha questão relativa à permanência dos restantes elementos na banda. Muda de assunto.

- O fulano não consegue responder a uma questão que se aplica a uma situação presente dado que os elementos da banda já teriam tomado a sua decisão e tu achas que ele seria capaz de adivinhar o teu futuro?!

- Naquele dia a minha capacidade de julgamento estava incapacitada. Prosseguindo: ele pede-me para lhe contar o que ocorrera em Londres, para lhe relatar algo que tenha possivelmente despoletado todos os eventos recentes. Nos trinta minutos seguintes, ora eu relatava, ora ele dava o seu parecer pessoal. Diz-me que talvez eles tivessem sentido que eu não lhes tinha demonstrado a devida apreciação! Sorrio. Digo-lhe que eu tive a preocupação de lhes comprar sandes e cigarros! Comprei-lhes sandes de boa qualidade e alertei-lhes que fumar mata! Continuo com os relatos mas apetece-me estar calada. Ele quer escutar as minhas mágoas mas quer que eu fale delas, de preferência, com um espírito sorridente e descontraído. “Tenha calma e não esteja tão abatida assim! Não esteja tão triste e desanimada!” –diz-me ele. “Eu acho que pareço normal! Nota-se que estou abatida?” –replico eu. “Nota-se a milhas de distância!” –responde ele. Eu reflito: “Acho que estou relativamente calma! Que cara farei quando realmente acho que estou perturbada? Puta que pariu! Sou transparente!” Ele insiste em mudar o meu estado de espírito e alerta que assim abatida interrompo os fluxos energéticos e as coisas mais se desmoronam! Insiste para que eu não fique abatida com um eventual desmembramento da banda e que tenho de ser persistente e, optimista. Propõe uma solução: “Precisa ter uma bolsa de substituição de músicos para um dia, se algum não puder comparecer, não haver contratempos!”

- Essa bolsa existe?

- Sim: uma agenda repleta de contatos no mundo da música e, se estes não são teus conhecidos, uma bolsa com dinheiro para contratações! Trinta minutos decorreram e o tarólogo prepara-se agora para fazer uma leitura atenta das cartas. A troca de opiniões já se esgotara, agora ia falar o tarot! Não obstante, ele é interrompido! O seu telemóvel está a tocar. Era a esposa. Ela quer saber qual dos dois irá buscar os filhos ao infantário. Ela tem uma voz autoritária e chata. O tarólogo tem cinquenta e cinco anos sendo este, o seu segundo casamento não tendo filhos do anterior. Instantes antes confidenciara-me que alguns anos antes, aquando do seu divórcio, tinha viajado imenso, inclusive pelo Brasil e Nova Zelândia. Perguntei-lhe se já tinha visitado a Austrália. Responde que ainda não. A consulta desta vez, não sei porquê, é em casa da sogra e não na dele.

- Se é vidente, como explica ele a existência dum divórcio na vida dele? As cartas não lhe avisaram para não se casar ou, ele esteve submisso ao caos amoroso como o comum dos mortais? Eu acho que consultar este tipo de gente disfarçados de videntes não leva a lado algum. Esta gente armada em “videntes” não só nos induzem em erro como noutras vezes, a “profecia” não passa de uma treta que apenas se concretiza devido a um efeito placebo. Aqui o consulente acredita com tal fervor no que acabou de ouvir que trabalhará arduamente para que a profecia se cumpra. O acreditar cria uma projecção mental positivamente forte que fará com que a profecia seja concretizada pelo próprio! Foi o que sucedeu contigo! Conseguiste concretizar muitas canções, apesar de zero experiência no assunto, e conseguiste ter coragem para ires atuar a Londres, terra onde cantores e músicos profissionais abundam, sendo tu uma inexperiente em atuações ao vivo! Tudo consequência de um certo estado mental positivo e receptivo! As profecias só geram confusões! Basta ler na bíblia, a matança dos inocentes. O rei Herodes queria evitar a chegada ao poder de um novo rei quando na verdade a profecia se referia a Cristo, cujo reino não é deste mundo! O que vaticinou o tarologo desta vez?

- Inquiro em particular sobre o meu amigo “open mic”: se eu poderei ainda contar com ele. O tarólogo é muito negativo e responde que nada restará da antiga amizade entre ambos.

- Mas não foi este mesmo tarólogo, quando regressaste a Portugal do “open mic”, que te dissera que esse teu amigo open mic viria a nutrir fortes sentimentos por ti?

- Sim disse-o, mas não o confrontei para não se sentir desconfortável. No entanto, percebi que teria de repensar todos os meus esquemas mentais e encarar a verdade de frente, não ter medo do futuro e mandar os videntes às favas! Ele lê as cartas em 20 minutos e cobra-me uma hora.

            - Uma questão: se esta gente ligada à “vidência” recebe os dons de graça, é ético fazerem-se cobrar pelo seu serviço?

- As antigas curandeiras da minha aldeia nunca faziam o que ele fizera: dificultar a abertura duma vaga para consulta. O auxílio era dado a qualquer um que o solicitasse. Relativamente às cobranças, as curandeiras não estipulavam o preço: diziam que cada um pagava o que queria e o que pudesse. Voltando ao tarólogo, ele diz que o meu guitarrista até poderá comparecer para uma atuação, se tal lhe interessar, mas nada irá restar da nossa antiga amizade. Mais: eu não posso contar com este “amigo open mic” para nada pois, a carta em cima da mesa indicava que ele estava totalmente centrado nele mesmo. E continua dizendo que este meu amigo é individualista e fixando os olhos em mim, diz-me que eu também tenho de ser assim. Que tenho de pôr os meus interesses individuais em primeiro lugar. Doa a quem doer.

- Eu acho que devemos ter cuidado em quem depositámos a nossa confiança e refiro-me também a esse tarólogo. Achas que este te ajudou? O destino existirá mesmo?

- O destino existe, no entanto ele mostra o que quer, e na proporção que quer. Dependendo tal não só das capacidades do vidente para ser canal informativo do destino mas também do julgamento do destino. Este avaliará quão preparado o consulente estará para saber a verdade: se apenas em parte ou na totalidade, ou se terá que induzir em erro por uma justa causa. Contudo, se eu tivesse sabido desde cedo que enveredaria pela música, teria investido na minha formação: talvez vivido numa grande cidade (adoraria que tivesse sido Londres), talvez estudado música (optaria por bateria e guitarra), teria passado por várias bandas, feito pequenos concertos para ir obtendo experiência, assistido a imensos concertos ao vivo e teria muitos amigos na música!

- Não te podes deixar intimidar com o trajeto dessa gente ligada à música. Nem sempre as vias usuais são as melhores e nem sempre dão a certeza de que se vá alcançar o pretendido. Até que ponto todos aqueles que conheceste em Londres, ligados à música, são mais válidos que tu? Eles escreveram, compuseram, cantaram e gravaram músicas em igual número a ti? As canções das bandas deles são melhores que as tuas? Duvido.

- Sabias que fiz uma pesquisa e descobri que a universidade onde o guitarrista “open mic” estudou, outras também fazem um trabalho similar, não só se centra nas competências musicais a serem adquiridas e desenvolvidas, mas também trabalha a parte psicológica do futuro músico? Por exemplo, como construir uma imagem pública, como desenvolver os traços de personalidade mais valorizados no mundo da música, como vencer mesmo sendo tímido e/ou introvertido, como dominar a ansiedade numa atuação ao vivo, como desenvolver a sua identidade musical, postura corporal etc.

- Pois…eles tiveram preparação, ao contrário de ti!

- O tarólogo finaliza a consulta dizendo que eu preciso ter cuidado com as minhas reacções pessimistas; que não devo deixar-me dominar pelas circunstâncias! E que apesar da carta “Torre” em chamas anunciar mudanças repentinas -em que planos e crenças ficarão em ruínas por um desmoronamento, as outras cartas próximas a esta, indicam que apesar de eu ter uma longa e dura batalha pela frente, o sol ao cimo sobre todas as cartas dispostas em círculo, atesta que o referido desmoronamento é positivo e que no fim tudo virá até mim! Não disse muito mais pois estava aflito: tinha de ir buscar os filhos ao infantário.

- Em vez de partilhares as tuas ânsias com videntes porque não o fazes com as paredes? Se fizeres silêncio, até poderás escutar algumas respostas que elas te possam dar, além de que as paredes não cobrarem consultas! A que se refere ele quando menciona desmoronamento? O que quer dizer com o “no fim tudo virá até ti?”

- Não sei.

- Profecias vagas que se podem referir a qualquer coisa sem dizerem nada em particular têm boa probabilidade de se concretizarem, sabias?

- Regressando ao meu amigo “open mic”: em janeiro peço-lhe insistentemente, em vários emails, que se mantenha do meu lado, informando-lhe que só me restava ele. Em fevereiro volto-lhe a renovar o pedido de ajuda mas desta vez foi complicado.

- Claro que sim. Pedir-lhe ajuda tantas vezes, já se tornava humilhante…

- Foi complicado porque um fenómeno de poltergeist não me deixava fazer-lhe o pedido!

-Cá está ela com o paranormal! Tu fazes paragem stop à “normalidade” para que o paranormal possa entrar! O que sucedeu desta vez?!

- Um estranho poder, por três vezes consecutivas, não me deixou enviar-lhe o email!

- Olha, sinais dos tempos modernos! Antigamente o paranormal fazia possessões demoníacas nas pessoas, agora fá-lo no email!

-Tinha feito três tentativas de envio e em cada uma delas, no mesmo instante em que me preparava para fazê-lo, havia corte da corrente eléctrica! O meu computador em casa está diretamente ligado à tomada, não usa bateria e não conseguia enviar o email! Comecei a achar estranha aquelas “sabotagens” coincidirem exatamente com a tentativa de envio! Apesar de me interrogar porque andava eu de martelo na mão a cansar-me a quebrar muros labirínticos para chegar até ao meu guitarrista, se tal era me inútil –ele não me tinha sequer respondido aos emails de janeiro, mas eu queria enviar-lhe o email! Eu queria bater com a cabeça contra a parede! Até podia ser que eu quebrasse a parede e não a cabeça, quem sabe?

- Parece que por muito que batas com a tua cabeça ela não quebra, nem aprende!

- Sabias que ele era tão orgulhoso que no open mic, ele, que me tinha encontrado através do anúncio, insistia em dizer-me que eu é que o tinha encontrado! Eu é que o encontrei e não ele a mim! Acreditas?

- Claro que acredito! Esse teu guitarrista tinha um feitio todo especial…

- Entretanto a minha enorme inquietação, por estar a recorrer desde janeiro a anúncios para formação de uma banda, estava a dar cabo de mim! Sei que vou dizer uma tolice, mas colocar a hipótese de que talvez ainda pudesse contar com a colaboração do meu guitarrista de agosto, fazia reduzir a minha inquietação…

- Vi uma avestruz a querer enfiar a cabeça debaixo da terra para não ver a verdade e não se assustar, serias tu?

- Talvez. Na quarta tentativa o fenómeno tornou-se evidente: a lâmpada do quarto estava acesa e os seus filamentos começam a ficar em brasa, pondo-se a luz eléctrica a tremelejar, tal como se vê em filmes de terror! Dou um berro enervada: “Quero enviar o email!” e a lâmpada regressa à normalidade! Juro-te pela minha vida que assim foi!

- Não precisas de jurar. Eu acredito.

-Após esse incidente, ainda em fevereiro no dia 25, sábado de manhã acordo e olho para o meu telemóvel. Quando dou por ela estou a telefonar ao meu guitarrista mas em modo anónimo. Ele atende. Quando lhe digo olá, não me reconhece a voz. Identifico-me e ele faz silêncio. Eu já tinha cancelado, por falta de banda, todas as atuações para janeiro e fevereiro mas tinha conseguido duas atuações extra: uma em finais de março e outra em abril. Pergunto-lhe se haveria alguma disponibilidade da sua parte para essas datas. Ele responde que em março estará todo o mês na Suécia e em abril estará de férias.

- Achas que ele estava a falar a verdade ou a inventar uma desculpa?

- Ele estava a mentir: as duas bandas dele tinham atuações nesses meses em Londres, além de que ele continuava a dar aulas de música nessa mesma cidade. Mais ainda, nunca surgiu na rede social dele qualquer referência a trabalho algum no estrangeiro – seria algo que ele faria questão de o partilhar através de foto e vídeos. 

- Querida…andaste a perder o teu tempo com ele para quê?!

- Eu ainda me mantive por mais alguns minutos ao telemóvel e, por sentir que esta seria a última vez que falaríamos um com o outro e que jamais nos voltaríamos a ver, quis evitar confrontos para não ficar uma lembrança desagradável.

- Bem…tu quiseste ver as coisas dessa maneira. Eu ter-lhe-ia dito imediatamente adeus e desligado o telefone na cara!

- Prosseguindo a história: ele informa-me que não pode atuar e eu mantenho um tom de voz simpático como se eu acreditasse no que o meu amigo me está a dizer. Apesar disso, inesperadamente, as pernas começam-me a tremer! Ouço-o a arrastar a voz enquanto fala comigo como se fosse um ser todo-poderoso a quem eu tivesse tido a indelicadeza de importunar com uma chamada telefónica. Será que eu não tinha entendido o silêncio dele?! Não me tinha respondido a nenhum dos emails, inclusive àquele em que eu lhe perguntava se as suas últimas palavras, no concerto de 7 de dezembro, de que se eu fosse a Londres ficaria contente por atuar comigo, se se mantinham. Ele nunca me respondeu a nenhum dos emails… Quando o ouço a arrastar a voz e a mentir-me, além de as pernas me terem começado a tremer, uma carta de tarot veio-me à memória.

- Lá vens tu com essa coisa do tarot…

- Eu tinha um baralho dessas cartas em casa e tinha feito uma leitura a mim mesma antes de partir para Londres, para esse concerto de 7 de dezembro. Uma determinada carta sai-me quatro vezes consecutivas! O dez de espadas! Nela era ilustrado um homem tombado de costas com dez espadas aí cravadas que lhe perfuravam todos os órgãos vitais. Impossível haver vida. Estava morto! A carta ditava a morte, o fim, entre eu e o guitarrista. Quando regressei de Londres, lembrara-me daquela carta ao entrar no meu quarto e achara ser um disparate aquele alarme. Ele tinha dito que se eu fosse a Londres atuaria comigo! Dois meses e meio depois, naquele mês de fevereiro, em que ele me mentia, pergunto-lhe, em fim de conversa, se está tudo bem com ele. Responde que está tudo ok. Pareceu-me que ele arrotou aquele “ok”! Era o arroto da importância. Acho que ouvi o arroto e não creio tê-lo imaginado. Eu estava entregue a mim mesma, não ia haver ajuda por parte dele. As pernas continuavam a tremer-me…

- Apanhar bofetadas e não devolvê-las, fere os nervos…

- Anos antes, quando estivera deitada numa mesa de operações vendo os bisturis todos alinhados perto de mim, não tremera assim. A minha crença ingénua de que os músicos seriam pessoas excepcionalmente sensíveis morreu nesse mês! E ficou claro para mim, que às vezes, os amigos, apesar de amigos, fodem-nos a vida…

- Acho que foi melhor para ti ele ter-se ido embora com os outros. Se queres ver mudanças na tua vida, muda de amigos…Se queres viver no mundo real e não ter dissabores, eis o que te aconselho: mede bem as pessoas de cima abaixo, pondera bem as tuas palavras e atitudes; em situações de stress não agridas nem a ti nem a outros; sorri imenso, sê simpática mas, parte sempre do princípio que as pessoas magoam! Portanto, resguarda sempre bem as tuas emoções exceto se for alguém que já há muito tempo dá provas de merecer a tua confiança. Tu que és dada às coisas paranormais, não tiveste um sonho premonitório de que ele se iria embora?

- Tive…não te o ia contar pois tu gozas-me. No mesmo dia em que o baterista me informa que arranjou outro empregador e estar agora indisponível, sonho com o guitarrista “open mic” e, nos muitos dias seguintes ao mesmo, ando intrigada com o significado do braço dele nesse sonho.

- Com o braço dele?!

- Tal como nas muitas noites das semanas e meses seguintes à atuação de 7 de dezembro, nessa noite foi-me difícil dormir, comer e viver. Dou milhares de voltas na cama até que finalmente adormeço. Estou no metro em andamento, num túnel subterrâneo, numa carruagem com outras pessoas. Olho para mim e constato que trago vestido um pijama. Procuro a minha mala de viagem para vestir uma roupa decente mas constato pasma que não tenho mala de viagem, dinheiro ou passaporte. Tenho somente o pijama que trago vestido! Interrogo-me como fui ali parar. Apenas me lembrava de me ter deitado na cama. A carruagem está quente. Relaxo. Encostada a uma janela, fico a ouvir o som dos carris em andamento. Entra claridade pela janela. O comboio está agora à superfície. Subitamente para. Olho para o exterior e compreendo porquê. Tudo em redor está a ser arrastado e submergido por fortes correntes de água lamacentas que trazem destroços. Tudo a ser derrubado. É caos e destruição! O comboio está nos carris, numa elevação de uma faixa estreita de terra. Esta mantém-se em contato com um enorme pedaço de terra firme lá adiante. A faixa é contornada pelas fortes correntes de água mas o comboio mantém-se intocável e a salvo. Eis que subitamente vejo o meu amigo “open mic” a ser arrastado por este rio de tormentos. Tem todo o corpo submerso e apenas lhe vejo o rosto! Está a olhar para mim. Bato com toda a força contra o vidro da janela para o quebrar e resgatá-lo para dentro da carruagem. Perante a minha aflição ele simplesmente esboça-me um grande sorriso. Em seguida levanta o braço na vertical. Com o braço totalmente hirto no ar, o meu ex guitarrista mergulha voluntariamente nas profundezas das águas e desaparece. Não mais o vejo.

- O sonho vaticinava que ele te iria deixar para trás, juntando-se a outros pensando que será um músico de sucesso mas sem saber, está a ir em direção oposta! Que ao invés dele, o teu destino estava em marcha e era promissor!

- O que significava aquele sonho, só o futuro o dirá… Ele é bom músico, é astuto, é pragmático, tem boa presença física, sabe ser simpático, tem uma forte motivação e é engenhoso em escolher amigos bem posicionados que o possam ajudar a vencer; tem a idade certa além de estar a viver numa das maiores cidades da Europa. Eu é que estou no fundo do rio, não ele! Nuns concursos de natação, dias depois, vejo que para aumentarem a velocidade do mergulho os concorrentes elevavam o braço no ar tal como o vira fazer no sonho.

- Ele sabe nadar?   

-Mal. Uma vez confidenciou-me que gostava de praticar desporto, talvez natação embora nadasse mal, por estar farto de tanta atividade cerebral na música. Seis meses depois, após aquela última conversa ao telemóvel com ele em fevereiro, era agosto outra vez. Despeço-me definitivamente dele enviando-lhe uma sms e em seguida apago o número dele do meu telemóvel.

- O que dizia a tua sms?

- Neste último contacto, por sms, realço que há precisamente um ano atrás, a essa mesma hora, dávamos início à minha primeira atuação ao vivo e informo-lhe que ele irá aparecer no capítulo 2 do livro que estou a concluir, cuja tradução para inglês já se iniciara. Se ele quisesse, que me poderia desejar boa sorte para o livro.

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