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Capítulo 2

A MINHA VIDA ATÉ LONDRES

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- Olá amiga bonitona!

- Olá cantora!

- Como estão as coisas por aí na Austrália?

- Estão bem! Quando dás cá uma saltada? Foi nos últimos dias de dezembro de 2001 a última vez que estivemos juntas! Ambas em Portugal! Dizias-me toda animada que tinhas escrito muitas letras para canção e iniciado a escrita de um livro!

- Lembras-te disso?!!

- Claro que me lembro! Lembro de todas as nossas conversas! Elas eram, entre outras coisas, sobre um dado músico e cantor e, como a tua revolta pelo fracasso da relação sentimental, te levou a afirmar que irias ser cantora, compositora e competir com ele. Que serias famosa como ele nunca tinha sido!

- Sabes que falas com sotaque inglês? Que giro! Ficas sexy! Tenho imensas saudades tuas, sabias?

- Claro que sei! Eu sou inesquecível! Tu e eu temos estado distanciadas mas hoje vais cumprir a tua promessa e vais contar-me tudo!! Só me tens contado pequenos pedaços da tua vida mas eu acho que a tua vida dava um filme em Hollywood!

- Oh, não brinques!

- Falo a sério! A tua vida em geral é estranha além de que tens um trajeto peculiar, e diferente, daqueles que tentam vencer na música. Embora te sintas perdida e sozinha, isso poderá ser bom para ti: podes concentrar-te totalmente na conclusão do livro! Quantos capítulos terá o teu livro e como se irá chamar?

- O livro terá cinco capítulos e chamar-se-á “Eu, Ninfa Artemis”. Mas aquele livro cuja escrita iniciei em 2001, não é agora o livro mas um enorme capítulo! É o capítulo quatro e chama-se “P virgula, P ponto. 8-8-1998”.

- Mantiveste a mesma estrutura do livro de 2001 ou seja, esse capítulo quatro contém a tua história com o cantor e as nossas conversas? Eu acompanhei de perto toda essa tua história com esse fulano!

- Nesse capítulo quatro faço uma introdução para que se entenda o título do mesmo e, para que haja uma antevisão do que ele relatará. Mas o capítulo ganha um brilho especial sempre que tu apareces em cena! Tu és a vedeta de todo aquele capítulo! Não sou eu nem o cantor: és tu! Quando tu relatas as tuas peripécias e as tuas aventuras amorosas, aquilo vira uma telenovela que prende o olhar do princípio ao fim! Tu eras rebelde! Original! Imprevisível! Tu pediste-me para eu te inserir no livro mas, mesmo que não o tivesses pedido, eu ter-te-ia inserido à mesma!

- Obrigada! No entanto, eu acho que as tuas peripécias com o cantor, dão imensa graça ao capítulo! Uma correção: eu era rebelde e ainda o sou! Outra coisa: se eu tivesse poder e contactos na música, aqueles fulanos de Londres estariam tramados comigo! Eu lixava-lhes a vida!

- Se as coisas tivessem corrido bem com esses fulanos, eu não teria tido a ideia de retomar o livro e conclui-lo. Sabes o que fiz com aquelas imensas letras para canção que eu tinha escrito no ano 2000? São o capítulo cinco do livro! Tantos anos que os poemas estiveram num canto que já nem me lembrava da sua existência…

- Aquela vidente brasileira que te aconselhou a escrever letras para canção, quando as coisas com o cantor ficaram complicadas, também aparece no livro?

- Sim. O livro é autobiográfico, relata a minha vida portanto, porque ela foi importante para mim, ela aparece nos capítulos três e quatro. Aquele vidente inglês que me incentivou a fazer as linhas melódicas, quando eu não sabia o que fazer com as minhas muitas letras de canção, também aparece: capítulo 3! Eu envio-te o livro quando ele estiver concluído.

- Obrigada! Adoro-te!

- No capítulo 3 aparece também aquele cantor britânico pelo qual eu estava muito fascinada, para quem escrevi muitas letras de canção em inglês e até fiz uns vídeos! Nesse mesmo capítulo menciono ainda o músico do estúdio com quem gravei todas as minhas canções. Tu apareces nos capítulos 2 e 4!

- Eu apareço no capítulo 2?! Pensava que era só no capítulo 4! Apareço no capítulo 2 a fazer o quê?! A minha vida agora é perfeitamente banal! Imagina tu que até tenho o cabelo de um castanho acaju normalíssimo, e não loiro com madeixas alaranjadas como quando eu vivia em Portugal! Nem tenho peripécias engraçadas a relatar como aquelas vividas no capítulo quatro!

- No capítulo 2 estarás a falar comigo ao telefone! Tem calma. Fala comigo normalmente. Apenas preciso de alguém com quem desabafar…senão rebento! Tu és esse alguém!

- A tua vida vai ser fenomenal e maravilhosa! Em março tu choravas ao telefone, tu gritavas, tu amaldiçoavas aqueles fulanos de Londres…Tu sufocavas em lágrimas! Os meses entretanto passaram… Esquece o que te sucedeu em Londres! Tira umas férias psicológicas e pensa em coisas alegres! Deduzo que o retomar do livro te vá ajudar psicologicamente. Ah! Lembra-te de contares no teu livro as tuas sessões de hipnotismo no Brasil!

- Sim, conto. Relato-as no capítulo quatro! Pensei no livro e qual seria a sua divisão em capítulos, no aeroporto de Stansted em Londres, na viagem de regresso a Portugal. Eu estava mal dormida e pasma com tudo o que me tinha sucedido naquela cidade: coisas que iam desde a muito boas a coisas pouco desejáveis. Como já pouco mais podia fazer para me ajudar, comecei então a visualizar o livro. Peguei num bloco de notas, numa esferográfica e iniciei o esboço de quais seriam os possíveis capítulos do livro mas parei de escrever. Fiquei imóvel a observar.

- Ficaste imóvel a observar o teu livro mentalmente?

- Fiquei a observar as pessoas. Eram 9.30 h. Tinha nove horas de espera até à minha entrada no avião e não fazia a mínima ideia de como iria matar o tédio das próximas horas! Nem o tédio na minha vida quando chegasse a Portugal! Sucedeu eu olhar para a mesa do meu lado esquerdo: estava aí uma mulher sozinha. Eu estava num pequeno espaço de restauração, por entre muitos que existem no aeroporto. Aí serviam chá, café, sandes, pasteis etc.

- O que tinha essa tal mulher de especial?

- Essa tal mulher tinha um saco de viagem, tal como a maioria que se encontrava no aeroporto e também aguardava a hora de embarque para o seu avião. Em cima da sua mesa havia uma chávena de chá quase vazia e ainda, uma sandes que ela tinha deixado a meio. Por sua vez, em cima da minha mesa estavam todas as embalagens de compota de morango que antes estavam à venda, em cima do balcão, quando fui pedir um chá para mim. O empregado disse-me que elas eram muito doces, que talvez eu estivesse a exagerar em comer tantas mini compotas sem pão!

- Minha Ninfa comilona de compotas de morango!

- Disse ao empregado que eu tinha de comer aquelas compotas de morango todas pois, eu sentia-me mesmo muito em baixo e talvez elas fossem capaz de me animar. Ele, um italiano com um excelente dicção inglesa, com talvez vinte e cinco anos de idade faz sinal com as mãos dizendo que não, que não queria saber de possíveis problemas meus, que já lhes bastavam os dele!

- A sério?! Ele não queria ouvir?! Ias contar-lhe as tuas peripécias?!

- Não! Apenas lhe tinha dito que precisava de comer todas aquelas mini compotas de morango! Eram umas doze!

- E o que sucedeu à mulher da meia sandes?

- Ela continuava ali com a sua meia sandes: metade tinha comido, a outra metade estava ali à espera, não sabia de quê, em cima de um pequeno pires. Então a meia sandes e eu vimos a mulher sacar de um verniz das unhas. Ela começou a pintar as unhas, esperou que o verniz secasse e depois pôs-se a ler um livro no seu ebook. Passados dois minutos arrumou o seu livro digital. Olhou para a sandes. Parecia que ia acabá-la de comer mas decidiu que ela ficaria assim mesmo: meia comida! Tirou um baton da sua bolsa e pintou os lábios.

-E depois?

- E depois nada sucedeu! Ela não se foi embora, não comeu a sandes, tinha agora os lábios pintados e as unhas também! E depois pôs-se a olhar para o infinito! Eu também olhei para o infinito! Depois peguei novamente na esferográfica e comecei a pensar na possível subdivisão do meu livro em capítulos. Mas voltei a parar de escrever…eu estava demasiado exausta. Pus os cotovelos em cima da mesa e as palmas da mão tapavam-me os olhos. Apetecia-me desaparecer deste mundo! Mas eu tinha já tido uma experiência de morte súbita e tinha pedido a Deus, nesse instante mortal, para me deixar viver pois eu queria ver o que eu alcançaria no mundo da música! Isto foi no ano 2000 quando apenas tinha escrito algumas letras de canções…

- Eu lembro-me de me teres contado essa tua experiência de morte súbita. Também vais pô-la no livro?

- Sim, no capítulo três.

- É normal que te sentisses exausta no aeroporto…estavas a atravessar momentos difíceis!

- Nessa manhã acordei bem cedo. Não me apetecia comer mas, para conseguir aguentar as duas horas de viagem do hotel até ao aeroporto, indo eu sair às 6.30h do referido hotel, dez minutos antes bebi todas as mini embalagens de leite que estavam no frigorífico. Elas eram disponibilizadas pelo hotel e supostamente, seriam para serem adicionadas ao café ou chá podendo este ser feito numa cafeteira elétrica que havia no quarto. Tantas vezes vi aquelas embalagens sempre que abria a porta daquele pequeno frigorífico! Nesta última vez em que o abri, elas iriam desaparecer dali! Sabes o que fiz antes da toma de todas aquelas mini embalagens de leite?

- Como tu adoras água, deduzo que foste tomar um longo duche ou então encheste a banheira e tomaste um banho de imersão!

- O hotel era modesto e portanto não havia banheira alguma. Aliás davam-me um toalhão de dois em dois dias. Não tinha direito a mais toalhas nesses dois dias! Apenas aquele toalhão que facilmente ficava ensopado quando eu lavava o cabelo. A roupa da cama era mudada apenas de quatro em quatro dias. O hotel fazia contenção de despesas com a lavandaria. Estás a ver como ele era modesto… Como não conseguia adormecer, para me acalmar, tomei um duche quente às 22h, outro às 02:00h, ainda outro às 04:00h e um último às 5.30 h…. Neste último estive, em pé, quarenta minutos de debaixo de água quente com a cabeça encostada aos azulejos brancos, com o ar cheio de vapor de água e de odor a sabonete. Este da mão me escorregou e ali ficou aos meus pés a diluir-se na água quente enquanto eu me despedia mentalmente de Londres.

- A Ninfa pensativa…

- De olhos fechados, eu sabia que o espelho da casa de banho estaria embaciado e o vapor de água transformado em névoa. A minha vida estava-se a diluir…eu não sabia se ainda me restariam forças para me salvar uma vez mais…

- Oh! A minha Ninfa estava mesmo muito triste…

- Eu ali estava nua…debaixo daquela água quente e nua no frio da noite da vida. O duche não tinha mangueira. Estava simplesmente fixo perto do teto. Altivo…armado em importante numa de inacessibilidade tal como todos os demais ao meu redor. Todos armados em importantes! Miseráveis seres centrados em si mesmos…

- Tu sentias-te realmente sozinha…Não te deixes afetar por quem se foi embora!

 - Eram cinco e meia da madrugada e eu no duche pela última vez, a dizer adeus a Londres. Nove horas antes, eram 20.30h e digitava pela última vez na minha vida o número do telemóvel do guitarrista “open mic”. Ele foi o músico que me acompanhou nas andanças musicais em Londres. Estava eu sentada no chão alcatifado no meu pequeno quarto de hotel, toda despenteada, o televisor ligado, comida enlatada à minha beira e sentindo-me totalmente só. Ocultei o meu número de telemóvel na chamada. Ele atendeu rapidamente. Eu não consegui dizer nada. Desliguei. Talvez ele suspeitasse que tenha sido eu. Em tempos eu tinha confiado nele. Aquele foi o meu adeus a ele.

- O guitarrista “open mic”…o tal que tu dizias que era um tipo espectacular. Tu, o teu otimismo e a tua mania de receber as pessoas de braços abertos…

- Vou-te ler um dos meus poemas do capítulo cinco. Numerei os poemas. Este é o poema número cento e vinte e três e chama-se “Nada mal”. Queres ouvir?

- Estás a mudar de assunto! Eu quero saber mais sobre Londres! O poema é dedicado a mim?

-Tu evitas sofrer portanto não creio que se aplique a ti mas, penso que irás gostar! Conto-te a história toda de Londres já daqui a pouco. Eis o poema: “Ninguém te dá nada, Nem mesmo emprestado, Na verdade ninguém sabe, Se andas a dormir bem ou mal”

 - De facto é verdade! Eu quando durmo mal, disfarço as olheiras! Ninguém sabe se eu ando a dormir mal ou não!

- Deixa-me lê-lo até ao fim, fofa querida! “Cada vez mais, As tuas mãos levantam-se para te cobrir o rosto, Sentes a loucura em quantidade e em qualidade, Tem graça, não?”

- Eu quando me sinto passada da cabeça…não me sinto tentada a levantar as mãos para cobrir o rosto mas sim tentada a dar um soco em quem me chateou e me pôs assim! Outras vezes sou tentada a pensar em sexo! Desculpa, prometo não te interromper mais!

- Prosseguindo: “Quando te vês ao espelho, até nem ficas mal e até pareces normal, nada mal!”

- Gostei! Está poético, realista, emocionante e não é um poema intelectual: percebe-se rapidamente sobre o que estás a falar. Tens algum poema romântico?

- Tenho. Deixa-me folhear aqui os poemas…olha penso que vais gostar deste! É o poema número dezasseis e chama-se: “Nem reparas”. Escrevi-o no masculino e é dedicado a uma mulher.

- Tu gostas de mulheres?! Desde quando?!

- Não querida! Escrevo com pseudónimo masculino, apenas isso. Cá vai: “Nem reparas que até agora, O que quiseste fazer, A toda a hora, Deixei-te fazer: Andar nas nuvens! Mas o jogo, Só me desperta mais, Sendo tolo, O teu desejo, De andar sempre nas nuvens, E andando sempre nas nuvens, Nem reparas, Que desligar não posso, Este fenómeno, Que em mim despertaste, Nem reparas...”

- Tu és a minha anjinha dessas nuvens!

- Eu sou uma anjinha e tu não deves interromper anjinhas escritoras! Continuando: “Nem reparas que, As nuvens onde te escondes, Esconderijo seguro já não são, Para aí me dirijo, Todo nu, Esconder-me-ei nas nuvens, Em mim apertar-te-ei, Até todas as nuvens esmagar, E finalmente reparares, Todo nu eu estou!”

- Aplausos! Gostei! De quantos poemas constam esse teu quinto capítulo?

- Cento e quarento e oito poemas. Na verdade eram duzentos e dezasseis mas como um livro ronda em média as quatrocentas páginas, tive de conter o número de páginas e então fiz a seleção dos melhores poemas. Por exemplo, havia um poema intitulado “Café” que não o incluí no capítulo 5 e que dizia mais ou menos isto: “Tomei café, Estou insuportável, Esqueci-me que sou sensível à cafeína, É noite, É madrugada, A cafeína mantém-me ainda acordada, Com que é que devo entreter-me para melhor passar o tempo?!”

- Porque não o incluíste?! É engraçado! No entanto acho que o devias ter finalizado de forma malandra, por exemplo: “Com que é que devo entreter-me para melhor passar o tempo?! Querido, estás numa de sexo?”

- Continuas a mesma malandra de sempre!

- E já agora podias ainda acrescentar ao poema: “Vais comigo para o duche e esfregar-me o sabonete por todo o corpo!”

- Eu tinha um outro poema, que igualmente excluí do capítulo e curiosamente intitulava-se “Sabonete”!

- O que diz esse teu poema?

- Nada de especial…aliás é um poema estranho que me faz rir! Diz mais ou menos isto: “Lavei o cabelo com sabonete em vez de champô, Agora estou com comichão no couro cabeludo, Deveria ter lavado o cabelo com champô! Comi a sopa com um garfo, Cansei de tanta garfada, Pouca sopa comi, Perdi-a nos espaços abertos do garfo, Deveria ter comido a sopa com uma colher!”

- Quando vai entrar o sabonete? Não me digas que ele vai aparecer na sopa!

- Se não me interromperes saberás onde e quando irá aparecer o sabonete no poema! Retomando: “Sorri perante a desgraça na minha vida, Mas deveria ter feito cara feia, Pois a desgraça ficou por perto por me achar simpática! Como se não bastasse, A desgraça achou que precisava de forças, Para uma bela desgraça continuar a ser, E então enfiou-se na banheira para um banho perfumado! Está agora a esfregar-se com sabonete!”

- O poema é engraçado e diferente do usual! Porque não o incluíste?! Adorei-o! Nas últimas frases do poema puseste um tom de voz bastante triste…estás a pensar no que te sucedeu em Londres?

- Talvez. Uma vez cheguei a casa vinda do emprego. Estava exausta e pensava: “Trabalhei tanto para mudar a minha vida e ainda estou no mesmo sítio.... Gastei dinheiro em consultas com videntes, anos em estúdio de música a fazer muitas canções, estive em Londres… tudo para quê? Estes últimos quinze anos para quê? Antes disso a minha vida era um vazio com muita esperança no futuro. Agora nem isso é! Cheguei ao futuro e nada existe! Mais valia ter nascido, em seguida ter entrado em coma, crescido como um vegetal e só agora acordado para não sofrer o que eu sofri!”

- Não fiques assim! Dias melhores virão.

- O meu pai olhou para mim pensativamente -ele saía da sala de estar para ir à cozinha comer uma sandes. Eu estava no corredor encostada a uma parede em pé, ali parada como que encurralada sem ter para onde ir. Ele diz-me: “Tu dás voltas na vida e mais voltas…a música, as idas a Lisboa e tudo o resto em que te metes…para nada! Cansas-te para nada!” Disse-o com ar um pouco desdenhoso mas estava a ler-me o pensamento.

- Idas a Lisboa?!

- Eu nunca dizia aos meus pais que ia a Londres…dizia que tinha de me ausentar para umas ações de formação em Lisboa, que o meu emprego assim o exigia! Para eles não ficarem aflitos com as minhas viagens ao estrangeiro…sabes como são os pais.

- Anima-te! Não gosto de te ver triste!

- Sempre me senti um peixe fora de água, fora do meu habitat natural: desajustada, desconfortável, insatisfeita e sempre batalhei bastante para mudar as minhas circunstâncias. Sinto-me uma cobaia dentro duma roda da vida: quanto mais a cobaia corre para sair da roda, mais ela rebola na roda da vida pela velocidade que a roda adquire…Sou uma cobaia de laboratório a ser testada se consigo ou não, a vitória.

- Hoje vais contar-me tudo sobre a tua vida: desde o dia em que nasceste e acabando em Londres! Se existe Deus, tudo o que te sucedeu tem uma razão de ser! Tenta ter calma e mantém os pensamentos alegres! Ainda serás feliz no amor, na música e o teu livro será um sucesso!

- Quem me dera ser como tu…alegre e despreocupada.

- A tua vida vai ser fantástica! Não desistas agora! Estás a ouvir-me?! Agarra-te aos teus sonhos com todas as tuas forças que te restam! Estás quase a chegar lá! As pessoas vão gostar de ti! Tens é de controlar os teus nervos e a tua ansiedade! Tenta ser sempre optimista! Ok?

- Sim.

- E livra-te de pessoas estúpidas, chatas, más, ingratas, egoístas, manipuladoras, fracas, inseguras crónicas, pessimistas e com uma visão limitadora da vida! Livra-te de pessoas que destruam a tua autoconfiança e que te desgastem mentalmente! Conclusão: livra-te de tudo e de todos que não prestam! Deita-os ao lixo! Estás a comer alguma coisa?! Parece que te ouço trincares alguma coisa…

- Disseste para eu me animar! Estou a comer um gelado de chocolate branco e morango. Queres um pouco?

- Dá-me um minuto que eu já volto…

- Onde vais australiana jeitosa?

- Também tenho gelado no frigorífico! Comprei-o ontem! Vou busca-lo! (…) O meu é de avelãs e rum!

- Sabes que também tenho aqui cerveja com chocolate em pó para beber? O gelado faz-me sede!

- Cerveja com quê?! Chocolate em pó?! É o que se bebe agora em Portugal?!

- Acho que não. Um dia cheguei a casa e achei a cerveja amarga, depois vi que tinha no armário da cozinha chocolate em pó e lembrei-me de lhe juntar! Queres então que eu faça uma síntese da minha vida até a minha ida para Londres?

- Sim. Mas antes disso lê-me outro poema que tenhas excluído do capítulo 5!

- Tenho aqui um que eu gosto mas que não inseri por se assemelhar mais a uma história que a um poema; dificilmente serviria para ser a letra de uma canção…

- O gelado de rum e avelãs está fantástico! Lê-me o poema.

- Intitula-se “Retrovisor” e diz o seguinte: “Pelo retrovisor do meu carro vejo um mar: metade dele é azul brilhante e a outra metade um mar de ondas altas. Na metade azul brilhante as pessoas estão descontraídas, nuas e com óculos de sol a dizerem: “Dias felizes!” Na outra metade de ondas altas, estão surfistas cheios de adrenalina na crista da onda a dizerem-me: “Está-se bem!” Eu no centro do mar digo: “Tenho um carro fantástico! Até do mar faz estrada! Estou a flutuar! Já viram?” Acabam de pousar papagaios enormes e coloridos em cima do capot do meu carro, mesmo em frente a mim! Estão a cantar canções rock! Penso: “Isto não está normal”. Uma onda parte o retrovisor. Já não posso olhar para trás. Olha! Os papagaios estão a comer batatas fritas com ketchup em cima do capot do carro!“ Fim de poema.

- Já terminou?! Não pode! O que fizeram os papagaios após comerem as batatas fritas?

- Não há continuidade no poema…terminou.

- Não me interessa! Diz-me o que fizeram os papagaios depois de comerem as batatas fritas!

- Sentes-te bem? Qual a percentagem de rum que o teu gelado tem?

- Inventa o resto do poema e diz-me o que os papagaios fizeram…pode ser?

- Deixa-me pensar… olha: eles acabaram de comer as batatas fritas e limparam o seu bico a um guardanapo branco que ficou impregnado de ketchup. Depois perguntaram-me se podiam entrar para dentro do carro pois queriam dormir uma sesta. Eu disse: ok! Entraram e disseram para eu flutuar, com o carro pelo mar fora, muito docemente pois tinham a barriga cheia de batatas fritas e os solavancos do mar poderiam lhes perturbar o estômago e consequentemente eles vomitarem!

- Ok! Termina assim o poema! O carro docemente a flutuar no mar para os papagaios poderem dormir e não vomitarem! Tens algum poema excluído que fale sobre espuma?

- Espuma?! Olha, por acaso tenho! E até juntei algumas bactérias à espuma! Eis o poema “Espuma”! “Estou de t-shirt branca, sem soutien e de cuecas rendadas descalça sobre a espuma do mar. O cabelo está solto, é longo, ondulado e bolinhas de água rebolam pelo cabelo. O mar, as algas, restos de conchas e bactérias papa-plásticos vêm com força para cima dos meus pés. Espreguiço-me, levanto os braços até cima, enfio ainda mais os pés nas poças de água com algas e sinto o vento a passar por mim… As bactérias papa-plásticos estão a comer todo o lixo plástico do areal e uma tempestade com chuva forte, com céu escuro, relâmpagos e ventos fortes está-se a formar… Acho a paisagem tenebrosa formada espetacular!”

- Bactérias papa-plástico?! Existem?

- Querida: existem no meu poema! Pus lá umas bactérias futuristas! Estas minhas bactérias não comem o plástico senão ficavam enormes e visíveis!

- Se elas não comem o plástico porque lhes chamas papa-plástico?!

- As minhas bactérias papa-plásticos futuristas do meu poema simplesmente emitem raios laser e assim fazem evaporar o lixo que as pessoas não colocam nos recipientes do lixo, ficando espalhado pela praia!

- Gosto dos teus poemas! Acho que deixaste os mais engraçados fora do capítulo 5! Agora vamos ao poema da tua vida: desde que nasceste até ao dia em que colocaste anúncios em Londres à procura de músicos! Eu e tu conhecemo-nos do emprego e as nossas conversas em Portugal centravam muito à volta do tal músico/cantor do capítulo 4! Pouco mais falávamos … Depois, de vez em quando telefonavas-me para a Austrália para me contares novidades musicais…mas tudo muito vago. Ainda acerca do tal músico/cantor, também fizeste cortes a esse capítulo 4 tal como fizeste ao capítulo 5 dos poemas?

- Sim. Tive de fazer pequenas alterações e omissões para a sua identidade ser ocultada tal como faço com todos os demais que irão surgir relatados no capítulo 2.

- Tu acompanhaste esse tal cantor, quer no sentido ascendente quer no sentido gradualmente descente da carreira dele…nunca mais se reergueu, pois não?

- Coisa da vida! Os altos e os baixos do mundo artístico…

- Querida: ele mereceu o destino que teve e os fulanos de Londres espero que tenham o mesmo destino! Que desapareçam! Que ninguém saiba que eles existem!

- Não vale a pena guardar ódios ou rancores. Eles sem o saberem ajudaram-me! O meu gelado e a minha cerveja acabaram-se! Dá-me só um segundo. Acho que vou ao frigórico buscar queijo e fazer uma sandes…talvez juntar umas azeitonas pretas sem caroço e cenoura crua! (…) Já voltei! O cantor tinha alguns aspetos de personalidade engraçados…há que admitir! Ele apenas surge aqui no livro porque quero explicar de como toda a minha história com ele me levou à minha opção pela música. De resto não tenho interesse que se saiba quem ele é. E o mesmo me aplica à malta de Londres! Estes últimos tiveram o mérito de me “forçar” o retomar o livro e concluí-lo! No livro eu agradeço a todos: cantor, Londres etc…

- Eles pouco ou nada te ajudaram e tu agradeces?!

- Uma vez mais repito: sem o saberem ajudaram-me…

- A tua sandes de queijo com azeitonas e cenoura, está boa? Olha, o meu gelado com rum já acabou! Acho que vou comer alguns camarões cozidos que tenho ali! Já sabes como vais iniciar o teu capítulo 2? É com a nossa conversa telefónica?

 - Inicia-se primeiro com a ideia de que algo me sucedeu em Londres, algo que me fez sofrer bastante... Depois refiro algo que eu li uns anos atrás e que me impressionou bastante…

- Já sei o que é! Aposto que são profecias apocalípticas! É aquilo das bolas de fogo vindas do Céu que destruirá a maioria dos seres humanos e a civilização tal como a conhecemos? Só me falavas nisso! Não será melhor mudares o nome de “Ninfa Artemis” para “Ninfa Apocaliptíca”?

- Isso das bolas de fogo refere-se a uma freira de Akita, Japão, que em 1972 foi curada miraculosamente por um ser vindo do Céu. Além disso anunciou-lhe que se os seres humanos não mudarem, e insistirem nas sucessivas ofensas de vária ordem, dois terços da humanidade serão exterminados por bolas de fogo vindas do Céu e que os sobreviventes se sentirão tão desolados que invejarão os mortos porque, serão dias quase impossíveis de suportar para quem vivo ficar.

- Que catastrófico! Até me dá arrepios! Vamos mudar de assunto!

- Tem calma! Não te assustes! O Céu é bondoso! São apenas avisos… Sabes que no capítulo 3 incluí algumas peripécias ocorridas no estúdio de gravação? Também descrevo a metodologia que usei para fazer a composição da linha melódica das canções, dado que não tinha nenhuma experiência musical e, como fiz para ensaiar as canções, uma vez que não tinha banda. Ou seja, descrevo como contornei as minhas limitações. Sabes que o músico do estúdio, em Portugal, que me ajudou a dar vida a todas as minhas canções conseguia mover as orelhas?! Conseguia fazê-las abanar ligeiramente, para se descomprimir da tensão, quando se punha a pensar intensamente! Tu consegues abanar as tuas orelhas?

- Abanar as minhas orelhas com o pensamento? Não! Tinha de usar as mãos!

-O músico do estúdio era pago à hora. Eu gastei imensas horas à volta das minhas canções e a dívida a ele sempre a avolumar-se… As últimas duas canções que eu gravei foram “Destiny versus Holidays” e “Strong/ Wrong”! Em Destiny eu ordenava ao destino que me pagasse umas boas férias e até a oferecer-me champanhe! Em Strong eu afirmava: “Não te digo vai-te  foder pois a ti só te desejo coisas más!”

- Bravo! Gostei da letra! Adorei! Fantástico! Fazes-me então um resumo genérico da tua vida, desde o dia em que nasceste até ao dia de hoje?…

- Nasci em finais de setembro em dia de vindimas lá em casa. A minha mãe andava a vindimar quando sentiu as dores do parto. A mãe dela que trabalhava no campo, e também era curandeira, foi a minha parteira. Os meus pais tinham uma vida muito modesta e não havia dinheiro para me darem jogos didáticos, livros coloridos ou outros brinquedos, que agora se dão às crianças no entanto, eu nunca passei fome. Teria eu aproximadamente quatro anos quando o meu pai decidiu emigrar. Emigrou para a Alemanha. Era de madrugada quando acordei com a voz dos meus pais no quarto ao lado. Levantei-me e vi que o meu pai estava agora a sair porta fora com uma enorme mala. Eu muito admirada com aquilo perguntei-lhe onde ia. Disse-me que ia buscar a estátua de um santo, que era muito grande e por isso é que levava uma grande mala consigo. Disse que o santo era para mim -eu ficava muito impressionada com as estátuas de santos que via nas igrejas e sonhava ter um em casa!

- O teu pai não te explicou que ia viver e trabalhar para a Alemanha?

- Não. Nunca vi adulto algum explicar-me fosse o que fosse e sempre vivi entre extremos: ou era tratada como se não tivesse capacidade para entender um facto ou era tratada como se eu tivesse a obrigação de entender as coisas por mera observação das mesmas.

- Tu e a tua mãe não foram para a Alemanha?

- Fomos. Dois anos após o meu pai ter emigrado, disse à minha mãe já ter condições para ambas irmos para junto dele, além de ter conseguido arranjar emprego para a minha mãe.

- Gostaste de viver na Alemanha?

- Adorei! Vivemos lá seis anos e meio. Um ano após a minha chegada à Alemanha fui para a escola pois, tinha atingido a idade da escolaridade obrigatória. Mas nesse primeiro ano antes da entrada na escola, tal como já sucedia em Portugal, fiquei fechada em casa enquanto os meus pais iam trabalhar. Eles vinham a casa almoçar e regressavam outra vez ao trabalho. No entanto desta vez as coisas estavam melhores: eu estava fechada mas havia um televisor! Fartava-me de ver televisão mesmo pela madrugada dentro! A minha vida era boa: acordava à hora que eu queria, deitava-me à hora que eu queria, via televisão o quanto eu queria e agora também tinha brinquedos além de livros com figuras desenhadas para eu colorir! Adorava esses livros!

- Não havia ninguém que pudesse tomar conta de ti na ausência dos teus pais?

- Havia mas os meus pais queriam economizar dinheiro além de acharem que eu sabia cuidar de mim própria e que não me poria em perigo ou, a casa. Os problemas apenas surgiam quando eu me cansava de ver televisão e me punha a fazer limpezas!

- Que limpezas eram essas?

- Eu era o pesadelo da minha mãe quando me metia a fazer limpezas enquanto ela estava fora de casa! O problema sempre foi ter ideias a mais! Uma vez, como eu adorava o cheiro dos champôs que estavam na casa de banho, tive a ideia de os usar para perfumar a casa, os móveis, o chão, o ecrã da TV… enfim, tudo! Limpava com um pano húmido embebido em champô! A maioria das vezes ficava tudo com manchas de espuma depois de seca pois, usava demasiado champô. A minha mãe, ao passar um pano com água para tirar essas mesmas manchas, via surgir das mesmas, espuma de champô por todo lado! O mais enervante para a minha mãe foi um dia ter chegado a casa e sentir um cheiro intenso a perfume por toda a casa, em particular junto a um dado armário. O cheiro, perto do armário do calçado, era-lhe particularmente intenso, até lhe dava tonturas! Eu tinha despejado um frasco inteiro, do seu novo perfume, em todos os sapatos e botas que haviam sido guardados no armário! Agora todo o calçado cheirava bem!

- Tu sempre foste muito engraçada!

- Uma vez, não me apeteceu ver televisão nem fazer limpezas…e pus-me a olhar para umas bonecas que a minha mãe tinha trazido de Espanha. Tinha-as comprado na última viajem de Verão, de carro, que fizéramos de visita a Portugal. Pelo trajeto tínhamos parado em Espanha. Havia lá à venda, para turistas, muitas bonecas com traje sevilhana e, de cabelo médio ou longo. A minha mãe tinha gostado tanto delas que tinha comprado três! Naquele dia, em que eu não queria fazer limpezas, eu cheia de tédio, fixei-me nelas. Achei que me apetecia cortar-lhes o cabelo…seria algo de diferente com que me entreter e passar o tempo! A minha mãe gostava tanto delas que elas viviam sentadas, diariamente, numa pequena poltrona da sala. A minha  mãe ficou horrorizada! Pensei que fosse desmaiar. Para a acalmar disse-lhe que o cabelo delas de facto não estava bem cortado mas, quando o cabelo lhes crescesse eu far-lhes-ia um corte melhor uma vez que, nessa altura eu já teria mais experiência!

- Que idade tinhas?

- Cinco anos.

- O que disse a tua mãe?

- “O cabelo das bonecas não lhes vai crescer!!!” – dizia a minha mãe a abanar a cabeça indignada com a ingenuidade da filha que tinha. “Porque não?!” –perguntava eu intrigada. “Porque são bonecas!” – respondeu a minha mãe em voz monocórdica. “E porque é que o cabelo não cresce numa boneca?” – queria eu compreender. “Porque não!” – responde a minha mãe farta de tanta pergunta minha. “Os adultos são todos uns chatos! E não me explicam nada!” –pensava eu com convicção.

- Tu és de facto és divertida…

- Como a viagem da Alemanha, do local onde vivíamos, até à Holanda era relativamente perto, a minha mãe adorava ir lá às compras. Em particular, a um grande centro comercial de pisos vários, para comprar bonitas cortinas e enormes carpetes em estilo persa. Lá também comprávamos muito marisco, para jantaradas organizadas aos sábados à noite com outras famílias emigrantes e alemãs.

- Guardas então boas lembranças da Alemanha?

- Sim. Adorava os fins de semana em que íamos a um centro de convívio para emigrantes portugueses, onde havia regularmente música ao vivo –do tipo popular em que se abusava da concertina, acordeão e violas. Toda a gente dançava, incluindo as crianças que se misturavam com os adultos. Eu adorava dançar! Era muito divertido! Também adorava os desfiles de carnaval da localidade onde eu vivia!

- Eram fabulosos?

- Eu, enquanto criança, achava aquilo fantástico! Desfilavam imensas carruagens imitando a época da corte francesa do rei Luís XIV, entre outras épocas históricas. Fazíamo-nos acompanhar sempre de enormes sacos plásticos!

- Enormes sacos plásticos?! Para quê? Para os enfiar na cabeça? Era esse o teu disfarce de carnaval?! Até tem graça esse disfarce! E barato!

- Não me gozes, bonitona! Os sacos plásticos eram usados para apanhar rebuçados que as personagens mascaradas da corte do rei Luís XIV, entre outras, lançavam a partir das carruagens onde se faziam transportar. Chegávamos a apanhar uma média de 25 quilos em cada Carnaval! Eram tantos os rebuçados lançados sobre as pessoas que estavam a assistir ao desfile!… Olha, lembrei-me agora duma coisa bizarra: sabes qual é o prato que a minha mãe mais faz e que eu detesto?

- A que propósito vem isso? Mas diz: qual é?

- Batata cozida! Ela adora! Ela se puder enfia a batata cozida em todo o tipo de comida! Para mim, batatas só se forem fritas ou assadas!

 - Eu também gosto pouco de batatas cozidas!

- Tinha eu 11 anos quando regressámos a Portugal. Fiz o ensino secundário, depois frequentei a universidade…numa cidade provinciana. Naquela altura, sem a internet, as pessoas eram menos arrojadas na forma de pensar, atitudes, opiniões e vestuário. Nada de especial ocorreu nesses tempos da universidade, pelo menos para mim. Aquele provincianismo cansava-me. Uma vez vesti um casaco de couro com fechos laterais, saia comprida preta e botas, ficando eu com ar de rock-punk.  Sabes o que uma fulana do meu curso, com baixas classificações e repetente em algumas disciplinas, há anos, me chamou? “Estilo anti social!”

- A fulana era burra e parva, não?

- No último ano da universidade fui fazer teatro experimental. Terminei a licenciatura e arranjei emprego. Passados alguns anos matriculei-me numa outra licenciatura ligada às ciências de computação, nessa mesma universidade pois, tinha equivalências a algumas disciplinas da licenciatura anterior. Era-me possível conciliá-la com o meu emprego dado que, eu trabalhava à noite. O computador ainda não era usado em larga escala tendo eu uma experiência reduzida na sua utilização. Mal sabia usar o Word! Mas passado algum tempo já me desvencilhava bem…

- Tu és inteligente, disso eu sempre o soube.

- Obrigada! Sabias que por vezes os professores desse curso de computação se recusavam a tirar as dúvidas, a nós alunos? A justificação era a de que a computação estava, e estará, sempre em rápido desenvolvimento e por essa razão, nós alunos tínhamos de nos saber desenrascar! Tínhamos de saber procurar a informação na internet e livros! Tínhamos de sabermos ser auto didatas! Os professores perguntavam, a nós alunos, se quando estivéssemos a trabalhar numa empresa, e perante um novo software recém lançado, se iríamos a correr a tirar dúvidas a eles professores? “Claro que não!” –respondiam imediatamente de forma assertiva!

- Terminaste a licenciatura em computação?

- Não. Desisti no final do terceiro ano embora, tivesse tido aproveitamento a muitas disciplinas. Eu era estudiosa!

- Porque desististe?

- Foi graças a um comentário de um professor na aula de criptografia. Ele estava a dar a aula, e talvez por achar que os alunos estavam entediados, partilhou algo connosco que entendeu ser interessante: “Eu tinha um aluno que vinha às aulas para dormir, quer fosse manhã ou tarde. Esse aluno era uma nulidade nos exames, não obstante, gastava as noites em assuntos informáticos que ele achava ser do seu interesse, tais como piratear sistemas informáticos de alta segurança! Era essa a paixão dele! Gastava as noites a estudar os sistemas informáticos que ele queria piratear e de dia, vinha às aulas para dormitar! Uma noite conseguiu invadir o sistema de alta segurança de uma grande empresa multinacional! Mas esta, em vez de o levar a tribunal, contratou-o para melhorar, e zelar, pela segurança do seu sistema informático! A paixão é que é o verdadeiro segredo do sucesso!” Eu chateei-me!

- Chateaste-te?!

- Sim! Um aluno que não queria saber das aulas para nada, estava a ser objeto de admiração?! Desisti do curso! Já tinha adquirido as bases e aprendido a desenrascar-me com os computadores e como eu não tinha paixão por aquilo, resolvi abandonar o curso. Em termos de paixão, não me podia comparar a alguns alunos do curso que investiam as suas férias de natal, carnaval, páscoa e verão à volta do estudo de softwares -quer estes fizessem ou não parte do currículo académico!

- Eles faziam isso?! Impressionante!

- Eu ainda estava a frequentar aquela segunda licenciatura quando comecei a corresponder-me com o tal cantor do capítulo quatro, cuja história tu conheces bem…

- Sim…conheço.

- Logo no início, quando comecei a corresponder-me com ele, desloquei-me para umas mini férias no Brasil. Fui lá que fiz umas sessões de hipnoterapia que foram um total fracasso! Entretanto, a assistente desse hipnólogo meteu conversa comigo na sala de espera do consultório e fiquei a saber que a cunhada dela era vidente. Por curiosidade fui consultá-la. Ela influenciou-me de tal maneira que a partir daí a minha história com o cantor ganhou complexidade e complicações. Por palermice, dei demasiada credibilidade à vidente e andei a perder tempo com esperanças vãs! Após o rompimento com ele achei que se me tornasse cantora, escrevesse as letras e fizesse a linha melódica dos temas podia não só ser criativa, como também expressar os meus sentimentos... Podia falar com as pessoas! Era o meu mar criativo! Eu que sempre me sentira um peixe fora de água, estava agora num mar que eu adorava! Sentia-me feliz!

- Fica mais sexy dizer que eras uma sereia fora de água…não tens cara de peixinho. Além do Brasil, conheces outros países?

- Sim. Após me licenciar, como já trabalhava, decidi investir algum dinheiro a viajar nos meses de agosto, altura de férias. Viajei de barco, comboio, avião e autocarro. Visitei a Inglaterra, Irlanda, Itália, Espanha, Áustria, Bulgária, Turquia, Grécia, Egito, Marrocos…

- Conseguias controlar os gastos?

- Os imprevistos surgem sempre, mas eu tentava controlar o dinheiro viajando sempre em classe económica. Ah! Estou a deixar de fora os países que atravessámos de carro quando os meus pais, enquanto emigrantes, vinham a Portugal ver a família e faziam a viagem de carro: saíamos da Alemanha, depois passávamos para a Holanda, depois Bélgica, em seguida a França, Espanha e depois entrávamos em Portugal por Vilar Formoso! Eram quase três dias de carro onde aí dormíamos, para não gastarmos dinheiro com hotéis.

- Três dias?! Acredito que deva ter sido cansativo!

- Sim, era. Mais tarde começamos a fazer as viagens de avião. Os meus pais conseguiam fazer aquela viagem de três dias de carro, praticamente calados! O rádio fazia-lhes doer a cabeça portanto, ia sempre desligado! Nada de ouvir música através da rádio! Eu não tinha outra forma de aceder à música! Eu fartava-me de ouvir o barulho dos motores dos inúmeros carros em fila de espera para o pagamento das portagens, fartava-me de ouvir o barulho das buzinas para as filas de pagamento andarem mais depressa, fartava-me do silêncio dentro do carro… Na Alemanha vivíamos num bairro onde coexistiam emigrantes de várias nacionalidades: italianos, espanhóis, jugoslavos, turcos, árabes e portugueses. Em casa tínhamos imensas cassetes de música com canções populares: desde alemãs, a flamengas passando por música  mexicana mariachi.

- Vivias portanto num mundo multicultural, certo?

- Certo. Uma vez cheguei a casa e fiquei triste: vi a minha cassete preferida de música mexicana com a fita magnética arrancada! Metros dela espalhada pelo chão que nem fita de Carnaval. Discussões entre os meus pais…muito possivelmente aquilo tinha sido obra do meu pai! A cassete deveria ter estado por perto e deu-lhe para fazer aquilo…

- Os teus pais continuam casados?

- É daqueles casamentos à moda antiga com altos e baixos mas, ficam juntos.

- Esqueci-me de te perguntar há pouco quando me falaste que tinhas consultado uma vidente no Brasil…já tinhas consultado alguma antes?

- Tinha consultado apenas um quiromante, esses que leem o futuro através das linhas da palma da mão. Esse quiromante era o pai daquela nossa colega da área da contabilidade, estás a ver quem é a colega?

- Sim, lembro-me dela.

- O pai tinha sido em tempos um grande, e abastado, empresário tendo proporcionado à filha aulas de piano, francês e ballet. Quando adulta decidiu-se por uma licenciatura em contabilidade. Refere que cedo, ainda criança, abandonou o ballet. Sobre o piano, diz ainda tocar alguma coisa e que o francês ainda se vai lembrando. Acerca do pai, diz que o facto de ele ter entrado em falência, ela já estava casada, aquilo deve ter-lhe dado a volta à cabeça! “Ler o futuro nas palmas mãos!” –ironizava ela.

- O futuro está no dia de amanhã e eu vivo no dia hoje! O que é que essa gente sabe sobre o futuro? Algum vidente vaticinou o aparecimento da internet? Não!

- Ela contou uma coisa que fez rir toda a gente que estava presente no intervalo da manhã…Alegou precisar mudar a fechadura do apartamento por estava a divorciar-se. O marido, que já lá não vivia, era desinibido e exemplificou: ele foi ao apartamento, pôs a chave na fechadura, abriu a porta, entrou, depois abriu a porta da casa de banho estando ela na sanita. Parece que ele tinha ido lá a casa propositadamente para discutir com ela acerca da divisão dos bens entre ambos. Ele argumentava que não ia ser conforme ela queria! Ele discutia e ela, ouvi-o sentada na sanita com as calças em baixo. Ele argumentava imenso mas ela, nada conseguia dizer naquele estado! Com o rabo enfiado na sanita, tal tirava-lhe a capacidade de argumentação! Ele diz-lhe: “Estás a ver? Não me consegues contra argumentar quanto à divisão de bens porque sabes que eu tenho razão!” e bate-lhe com a porta da casa de banho na cara dela!  

- Que cena cómica!

- Ela continua e confidencia-nos: “Eu não o entendo! Tínhamos feito amor à noite e na manhã seguinte ele ao acordar, vindo do nada lembra-se de me dizer na cara que vai pedir o divórcio! Levanta-se, pega nas coisas dele e sai do apartamento para não mais voltar, a não ser naquele dia em que me encontra na sanita! Sempre suspeitei que ele teria amantes!”

- O que te disse esse quiromante, pai da nossa colega?

- Ele centrava-se mais na análise da situação presente do consulente e apontava uma direção mas sempre, para um futuro próximo não superior a meio ano. Por curiosidade perguntei-lhe porque é que eu só atraía gente doida e mazinha. Ele retorquiu: “Se atrai gente doida é porque também anda avariada da cabeça! E se atrai gente mazinha é porque não gosta de ser bem tratada!” Na altura insultei-o mentalmente mas observando a minha vida, o que ele disse tem alguma fundo de verdade e eu deveria ter reflectido nisso.

- Não digas tal coisa! Estás a querer-te magoar, porquê?! A tua história de vida merece respeito! Seriam poucas as pessoas que teriam tido a força, a coragem, a fé, a esperança, a perseverança para aguentar o que tu aguentaste até agora! E acima de tudo, alcançar o que alcançaste nas circunstâncias em que te encontravas! Tens de ver as coisas pelo lado positivo! A situação em Londres foi lamentável mas fez com que finalmente concluísses o livro, senão quando irias fazê-lo?

- Nunca.

- O quê?! Irias desistir do livro?!

- Talvez. Para o meu primeiro website, eu tinha feito um longo texto, resumo da minha vida: como enveredei pela música, como encontrei o músico do estúdio de gravação que me permitiu concretizar todas as minhas canções etc. Parte dessa mini autobiografia é apresentada no capítulo 3. Para o meu website mais recente, tinha feito dez vídeos, inspirando-me nessa mesma autobiografia, usando como música de fundo nos mesmos os instrumentais das minhas canções. Como tinha aqueles 10 vídeos que resumiam a minha vida, tinha votado o livro ao esquecimento e não queria remexer mais no meu passado. O tal livro, que agora é o capítulo quatro, tinha-o encarcerado debaixo da cama dentro de dez sacos plásticos.

- Dez sacos plásticos?!

- Sim. O livro estava no meu quarto na casa de campo dos meu pais e tinha receio que algum rato roesse o livro ou, que este apanhasse humidade! Calculei que dentro de 10 sacos plásticos o livro ficaria seguro, que não precisava de mim e esqueci-o. Já tinham decorrido dez anos. Ao chegar a Londres o livro ainda continuava no esquecimento…

- Eu ter-te-ia enfiado dentro de dez mil sacos plásticos se eu tivesse sabido que as tuas intenções eram as de esquecer o livro! Eu também estou no livro! Eu quero ser conhecida! Uma pergunta: como tiveste a ideia de ir para Londres? Foi o músico do estúdio de Portugal que te aconselhou?

- Não. Foi uma voz que me sussurrou em início de setembro de 2010, quando eu conduzia de carro para mais uma sessão de gravação no estúdio de música. Eu ia a conduzir e a pensar na minha vida como cantora…eu não tinha banda, eu não conhecia músicos, eu vivia afastado do meio musical: a minha vida cingia-se apenas à gravação das minhas canções no estúdio do músico…Eu sentia-me encurralada e só! Eu estava sem ideia alguma sobre o que fazer, nas semanas e meses seguintes, quando chegasse o dia em que eu concluísse as canções no estúdio. Então uma voz, por frações de segundo, sussurrou-me ao ouvido esquerdo: “Londres…” e eu disse: “Claro!” Cheguei ao estúdio e partilhei com o músico o meu plano: “Vou para Londres cantar, quando eu deixar aqui o estúdio!” Ele deixou-me falar o quanto eu quis. Parecia-me vê-lo pensar: “Onde foste tu desencantar essa ideia? Andas a sonhar acordada?! Que lindo! Tu não sabes o que estás para aí a dizer!”. Eu falei, falei, falei e no fim perguntei-lhe: “O que acha? A ideia é boa, não é?” Ele franziu ligeiramente a testa como quem não quer dizer a uma criança que o pai natal não existe e respondeu: “Vamos acabar esta música na qual temos vindo a trabalhar?” Traduzindo: “Vamos voltar à realidade?”

- Nem toda a gente é forte e crente como tu querida. O estúdio de gravação era a onde?

- O estúdio era na cave da casa do músico. Ele era uma pessoa muito reflexiva, cautelosa e que se rende às evidências da realidade.

- Tu és um pouco diferente…Tu não te rendes à realidade e acreditas em histórias de encantar.

- Por falar em não me render à realidade, sabes o que eu fazia às sexta-feiras e sábados à noite, em vésperas de exame, quando eu era estudante universitária?

- O que é que tu fazias?

- Tentava descontrair-me de tanta realidade de estudo! No apartamento habitado só por estudantes universitárias, elas ausentavam-se durante os fins de semana por preferirem estudar em casa dos pais. Eu ficava sozinha, de sexta-feira à tarde até domingo à noite. Nesses fins-de-semana, a minha vida era estudar toda a manhã, depois cozinhar para mim, almoçar, estudar toda a tarde, jantar por volta das 21h e pela noite dentro descontrair! Via filmes emitidos por um canal da TV cabo. Começava com filmes de ação, depois passava para filmes eróticos e quando as altas horas da madrugada chegavam, apareciam os filmes de terror! Nestes últimos, os enredos envolviam, naqueles tempos em que eu era estudante, quase somente mortos vivos a sair de sepulturas e vampiros. Era quase sempre o mesmo enredo, tanto que eu bocejava!

- Será por isso que os enredos dos filmes de terror, de há uns anos para cá, constam agora de abundantes facadas, machadadas, serras elétricas e torturas infindáveis feitas por seres humanos a seres humanos. É para ninguém bocejar!

- Onde é que eu tinha parado a narração da minha vida há pouco? Ah! As minhas mini férias no Brasil e a vidente! Olha, regressei dessa viagem pensando que esse cantor era o amor da minha vida! A minha alma gémea! Que até teríamos estado juntos noutra encarnação!

bot
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